Coevolução e a diversidade de espécies

Departamento de Genética, Ecologia e Evolução, Instituto de Ciências Biológicas
Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares
Universidade Federal de Minas Gerais

Os organismos evoluem em resposta ao meio ambiente, mas, também, sob influência de outros com os quais interagem

Besouros na flor de araticum do Cerrado

Crédito: gerada por ia

As espécies possuem certa independência evolutiva de outras por causa das barreiras reprodutivas que impedem a troca de genes (Evoé, CH 426). No entanto, a evolução de cada espécie também pode ser influenciada pelas demais, pois algumas adaptações podem ocorrer pela seleção natural biótica (seleção por outros organismos). As milhões de espécies da Terra resultaram de mecanismos evolutivos sujeitos às mudanças ambientais abióticas e bióticas (interações ecológicas). Portanto, os organismos evoluem intrinsecamente conectados em resposta ao ambiente, e entre si.

As espécies compartilham habitats, competem por recursos, se alimentam umas das outras, vivem em simbiose ou parasitismo — em suma, interagem constantemente. Essas interações ecológicas moldam os caminhos evolutivos das espécies envolvidas. 

Nesse cenário de interdependência ecológica, destaca-se o fenômeno da coevolução, que se refere à evolução recíproca entre duas ou mais espécies que interagem intimamente. Na coevolução, as mudanças evolutivas em uma espécie impõem pressões seletivas (bióticas) sobre outra, que pode levar a um ciclo contínuo de respostas seletivas, isto é, adaptações (ou coadaptações).

Um caso clássico de coevolução aparece na interação entre predadores e presas. Por exemplo, à medida que uma presa desenvolve mecanismos de defesa (como camuflagem ou toxinas), os predadores que superam essas defesas são favorecidos. Nestes casos, pode haver a seleção de predadores com outro sentido (olfato, sonar etc) que permite encontrar suas presas ou com resistência às toxinas. Esses predadores com estratégias adaptadas de ataque pressionam suas presas que podem evoluir novas defesas adaptativas, um fenômeno coevolutivo conhecido como “corrida armamentista”.

Outro exemplo provém de relações mais amistosas, como as interações mutualísticas entre plantas com flores (angiospermas) e seus polinizadores (alguns insetos e vertebrados). Algumas angiospermas possuem flores com formas, cores e odores particulares que atraem polinizadores específicos, enquanto estes, por sua vez, desenvolvem estruturas adaptadas à coleta de néctar ou pólen dessas flores. A especialização entre espécies mutualísticas pode chegar a tal ponto que a sobrevivência de uma se torna totalmente dependente da outra.

A coevolução pode ocorrer também entre redes complexas de interações, como as comunidades ecológicas onde diversas espécies competem, se beneficiam ou se prejudicam mutuamente. Por exemplo, as interações entre coleópteros (besouros) e angiospermas ocorrem há mais de 100 milhões de anos (período Cretáceo), quando houve uma rápida diversificação das plantas com flores (angiospermas). Os coleópteros estão entre os primeiros polinizadores dessas antigas angiospermas, e ambos, respectivamente, desenvolveram estruturas para acessar os recursos florais das plantas com novas adaptações que atraem os besouros. 

No entanto, muitas espécies de besouros também desenvolveram herbivoria (alimentação de partes da planta), uma adaptação que pode prejudicar a planta que, muitas vezes, eles também polinizam. Por exemplo, algumas espécies da família Annonaceae (araticuns etc) da América do Sul são polinizadas por besouros das famílias Nitidulidae e Scarabaeidae, que também são herbívoros florais. As flores de Annona coriacea (marolo do Cerrado) possuem estruturas florais fechadas que criam microambientes atrativos (odores e recursos nutritivos) para os besouros, fornecendo abrigo e alimento. Durante a visita floral, os besouros ingerem partes da planta e promovem a polinização cruzada, carregando o pólen de uma flor para outra. Como cada espécie de planta atrai populações exclusivas de besouros, isso favorece o isolamento reprodutivo e a especiação dos insetos e das plantas que participam da interação.

O resultado dessa história coevolutiva de vários milhões de anos é que, paralelamente à grande diversificação das plantas com flores (que tomaram lugar das plantas sem flores: as gimnospermas, tal como as araucárias), também houve uma enorme diversificação de milhões de espécies de coleópteros, um fenômeno chamado radiação evolutiva.

Os impactos humanos, como urbanização, introdução de espécies exóticas (nativas de outro local) etc., podem alterar a composição das comunidades biológicas, promovendo novas interações que frequentemente levam à extinção de espécies nativas. O aquecimento global atual também altera as distribuições geográficas dos organismos, modifica os ciclos reprodutivos e impõe novas dinâmicas de interação entre espécies que exigem respostas adaptativas rápidas, fenômeno de grande importância para a conservação da biodiversidade no contexto atual das mudanças climáticas antropogênicas.

Na coevolução, as mudanças evolutivas em uma espécie impõem pressões seletivas (bióticas) sobre outra, levando a um ciclo contínuo de respostas seletivas, isto é, adaptações (ou coadaptações)

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