Muito já se discutiu acerca do preconceito racial no Brasil. O assunto, no entanto, está longe de encerrado e é o tema das pesquisas dos economistas Waldir José Quadros e Marcio Pochmann, ambos do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Cesit/Unicamp). Os estudos, embora desenvolvidos de forma independente, chegaram a conclusões semelhantes sobre a situação dos negros e pardos no mercado de trabalho: eles têm menos acesso a postos bem remunerados.

Há mais de 10 anos, Quadros pesquisa a estrutura social do país e o estudo sobre a desigualdade racial veio como uma conseqüência dos anteriores. “A discriminação constitui um elemento importante da desigualdade social brasileira”, afirma. O economista usou como dados primários os números fornecidos pelas Pesquisas Nacionais por Amostragem de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad/IBGE), relativos aos anos de 1992 e 2002.
 
Para a construção da estrutura ocupacional individual – retrato das oportunidades de emprego, negócios e serviços geradas para cada pessoa –, foram definidos diversos grupos ocupacionais, como empregadores com até 10 e mais de 10 empregados assalariados, profissionais autônomos, classe média assalariada, operários e assalariados populares, empregadas domésticas e trabalhadores não remunerados agrícolas e urbanos, entre outros. Também foram contemplados os indivíduos sem ocupação, mas com algum rendimento, como aposentados, pensionistas e desempregados com qualquer tipo de renda. Em seguida, cada um dos grupos foi dividido em cinco níveis de rendimentos mensais: o superior, que abrange os que recebem acima de R$ 2.500; o médio, entre R$ 1.250 e R$ 2.500; o baixo, de R$ 500 a R$ 1.250; o inferior, de R$ 250 a R$ 500; e o ínfimo, abaixo de R$ 250 (o equivalente a um salário mínimo, a preços de janeiro de 2004).
 
Algumas das conclusões da pesquisa apenas confirmaram o que muitos especialistas já esperavam: negros e pardos estão concentrados nas ocupações mais mal remuneradas e nas faixas inferiores de escolaridade. Segundo Quadros, no entanto, a nova metodologia tornou mais claro o quadro de discriminação por raça e gênero, porque permitiu explorar melhor as heterogeneidades existentes no interior de cada grupo ocupacional.
 
A análise dos dados levou à conclusão de que, embora as desigualdades de rendimentos pessoais associados a gênero e raça sejam pequenas no interior de cada grupo ocupacional, as condições de acesso aos cargos mais bem remunerados são diferentes. “Negros e pardos, e sobretudo as mulheres, sofrem discriminação no mercado de trabalho e oportunidades, bem como no âmbito da educação”, diz o pesquisador. “Um engenheiro ou médico negros não ganham significativamente menos que seus colegas brancos. O problema é que pouquíssimos conseguem alcançar essas posições.”
 
Em 2002, os negros representavam 45% do total de indivíduos ocupados. Destes, apenas 29% inseriam-se em um padrão de vida igual ou superior ao da baixa classe média, sendo 20,6% de homens negros e 8,7% de mulheres negras. Se nos restringirmos ao padrão de classes média e média alta, essa proporção cai para 20% –14,6% de homens e 5,8% mulheres.
 
A hierarquia social descrita por Quadros tem no topo os homens brancos e vai descendo para mulheres brancas, homens negros e mulheres negras. Ao comparar os números relativos a 1992 e 2002, é possível observar uma redução na desigualdade dos rendimentos entre esses grupos. “No entanto, essa alteração decorre da retração dos rendimentos dos homens brancos, não de um progresso generalizado nos outros segmentos sociais”, alerta o economista. 
 
Educação e oportunidades
À frente da Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Sociedade do Município de São Paulo e com base nos dados da Pnad de 2001, Marcio Pochmann desenvolveu um estudo sobre a desigualdade de raça na cidade de São Paulo e no Brasil como um todo. “Observamos as taxas de desemprego e os níveis de escolaridade relativos a brancos, negros e pardos”, conta. A pesquisa mostrou que a falta de acessibilidade aos melhores cargos de trabalho torna muito mais difícil para o negro a sua ascensão social, sobretudo nas grandes cidades. Dessa forma, é possível afirmar que, além da questão de classe, a pobreza brasileira revela um conteúdo racial.
 
“O tema do racismo no Brasil é mascarado porque não aparece em sua forma mais primitiva”, revela Pochmann. Ele diz que a diferenciação entre negros e brancos começa na educação: somente uma elite branca tem acesso amplo ao ensino superior. No entanto, mesmo nas grandes cidades, onde os negros têm mais acesso à educação, as condições de ingresso no mercado de trabalho não são equivalentes às dos brancos. “Nossa pesquisa mostrou que, mesmo quando negros e brancos com o mesmo patamar de escolaridade disputam um posto, os negros saem em desvantagem. Percebemos, assim, a discriminação presente nas empresas”, completa o economista.
 
Segundo a pesquisa, o desemprego afeta mais diretamente as mulheres negras – taxa de desemprego de 13,9% em relação a todo o país –, seguidas das mulheres brancas e dos homens negros. Homens brancos são os menos afetados, com uma taxa de 6,7%. Além disso, os negros ocupados tendem a se concentrar nos empregos mais mal remunerados, sobretudo nos cargos domésticos. Enquanto 50% dos negros ocupados no mercado de trabalho paulistano vivem em famílias com renda familiar total abaixo da média da cidade (R$ 940), esse percentual cai para 30% entre os não-negros.
Responsável pelos programas sociais de assistência e geração de renda da Prefeitura de São Paulo, Pochmann teve a oportunidade de conferir, na prática, o que pesquisou. “Nossos programas atenderam a cerca de meio milhão de famílias pobres. Oito em cada 10 beneficiados foram mulheres e seis, negros”.

Catarina Chagas
Ciência Hoje/RJ

 

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