Lixo: compreender para esclarecer

A separação de materiais reaproveitáveis, como na central de coleta seletiva de Botafogo, no Rio de Janeiro, reduz o volume de lixo que vai para a deposição final (foto: André Teixeira / Agência O Globo).

A imensa quantidade de lixo gerado nas cidades atuais representa um desafio para seus administradores e sua população. A gestão de resíduos – coleta, tratamento e destino final – é cara, e o quadro é agravado pela falta de planejamento, aliada a idéias equivocadas e muito difundidas sobre o assunto. Ter clareza da complexidade do sistema de limpeza urbana necessário às nossas cidades é decisivo para educar a população e obter sua participação nas soluções. Não se podem reforçar crenças em soluções milagrosas que nos afastam do adequado enfrentamento técnico-cultural desse delicado problema, que, como a morte, a todos afeta.

É da nossa tradição avaliar os serviços públicos de limpeza urbana por dois parâmetros básicos: 1. coleta eficiente do lixo doméstico e 2. varrição metódica de logradouros públicos (ruas, praças etc.), em especial os de maior visibilidade. A existência de um sistema de coleta seletiva de lixo também passou recentemente a ser um ponto ressaltado e valorizado.

Tais parâmetros, porém, não dão conta da complexidade da limpeza urbana e não são suficientes para uma avaliação criteriosa desse serviço prestado pelas municipalidades, não apenas nas médias e grandes cidades, mas principalmente em nossas metrópoles. Essa percepção limitada acaba colaborando indiretamente para a permanência da difícil situação que o Brasil enfrenta, como um todo, na gestão de seus resíduos urbanos. A ausência de uma visão mais crítica e de cobranças bem fundamentadas pela população facilita a manutenção de serviços inadequados e o desperdício de recursos, para não falar do crescimento da corrupção no setor.

Esse posicionamento limitado deixa ainda de lado um aspecto decisivo: a preocupação com a destinação final do lixo – que não pode, hoje, abrir mão dos aterros sanitários. Quando essa peça fundamental do sistema de limpeza não existe, são usados vazadouros (os ‘lixões’) e, na melhor das hipóteses, aterros controlados. Nos primeiros, o lixo é jogado indiscriminadamente a céu aberto, sem qualquer cuidado. Nos segundos, os resíduos depositados são ao menos recobertos. São bem conhecidos, em ambos, os conseqüentes impactos ambientais e na saúde pública.

Só nos aterros sanitários – obra complexa de engenharia – são atendidos todos os quesitos que possibilitam dar um destino adequado aos resíduos: a compactação e o recobrimento diário dos resíduos, o tratamento do chorume (líquido que se forma a partir da água da chuva e de materiais presentes nos resíduos) e dos gases (sobretudo o metano), o isolamento da área para evitar o acesso de pessoas e animais e, uma vez esgotada sua capacidade, o planejamento do encerramento do aterro e da utilização futura do local.

Cabe salientar que, por falta de planejamento e pelos tabus ligados às pessoas e áreas relacionadas ao lixo, é cada vez mais difícil encontrar locais disponíveis para aterros sanitários. Quanto mais longe estiverem das áreas urbanas, mais caro se torna o sistema, em razão do transporte. A destinação final é também uma parte onerosa do sistema, mas necessária. No entanto, como fica distante do olhar do contribuinte, pouco destaque se dá a esse importante aspecto. A alegação de que falta dinheiro para a sua construção não se justifica, principalmente se atentarmos para o enorme desperdício, nas últimas décadas, de verbas com tecnologias não adequadas, em especial as chamadas usinas de compostagem e reciclagem. Só no estado do Rio de Janeiro estima-se um gasto de mais de R$ 100 milhões, nos últimos 15 anos, com unidades que em muitos casos nem chegaram a entrar em funcionamento.

Qual é a falsa argumentação em defesa dessas usinas? A de que resolveriam por completo o problema do lixo, com seu aproveitamento quase total. Assim, não haveria necessidade dos aterros sanitários. Os técnicos, porém, sabem que, na melhor das hipóteses, os rejeitos dessas usinas equivaleriam a 40% do material processado, que o composto orgânico produzido é de baixa qualidade e que sua comercialização depende de um complexo e instável mercado para o composto e para os materiais reaproveitáveis industrialmente (papel, vidro, plástico e metais). Em nosso país, por diferentes razões, muitos produtos considerados recicláveis não têm mercado ou sofrem restrições.

Ocorre, portanto, uma confusão entre a questão do destino final (aterros sanitários) e as formas de tratamento dos resíduos. Com isso, a opinião pública é confundida de forma irresponsável, e grande parte dos profissionais dos meios de comunicação acaba, inadvertidamente, colaborando para essa situação.

Emílio Maciel Eigenheer
Centro de Informação sobre Resíduos Sólidos,
Universidade Federal Fluminense,
e Faculdade de Formação de Professores,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
João Alberto Ferreira
Departamento de Engenharia Sanitária e do Meio Ambiente,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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