A obesidade afeta cerca de 500 milhões de pessoas e é um problema de saúde pública em boa parte do mundo – este número, segundo estimativas, pode chegar a 1 bilhão em 2030. Mas a obesidade em si não é o principal problema e sim as várias doenças cujo risco ela ajuda a aumentar. É por isso que muitos cientistas se dedicam a entender os mecanismos que levam um indivíduo a se tornar obeso.
O médico Licio Augusto Velloso é um dos pesquisadores mais conceituados do país envolvidos nessa busca. Coordenador do Laboratório de Sinalização Celular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele estuda os mecanismos moleculares e celulares que levam ao aparecimento da obesidade e do diabetes.
Na 27ª Reunião Anual da Federação das Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), de 21 a 24 de agosto, em Caxambu (MG), o tema foi abordado por Velloso em duas palestras. Em entrevista à Ciência Hoje, ele aponta as diferentes facetas do distúrbio: “A obesidade não está relacionada apenas a comer muito, mas a uma predisposição genética e a um processo inflamatório deflagrado por uma dieta rica em gordura saturada”.
Ciência Hoje: Como é visto o problema da obesidade atualmente?
Velloso: Temos várias formas de enxergar a obesidade. Do ponto de vista epidemiológico, é um problema de saúde pública em uma boa parte dos países do mundo, inclusive no Brasil. Atualmente, existem em torno de 500 milhões de obesos no mundo e, se não encontrarmos soluções terapêuticas e métodos para prevenir seu avanço, esse número deve crescer rapidamente nas próximas décadas, podendo alcançar aproximadamente 1 bilhão e meio de pessoas até o ano de 2030.
É um grande problema, mas não pelo fato de haver muita gente obesa, e sim porque esses indivíduos têm um risco muito maior de desenvolver outras doenças, como diabetes, aterosclerose e algumas formas de câncer. É um distúrbio que acarreta grande custo para os governos, pois é necessário prover tratamento para todos os males decorrentes dele, além de diminuir a produtividade da população e, o mais importante, a qualidade de vida das pessoas.
No aspecto científico, poderíamos dizer que o estado da arte é o entendimento da maneira como a obesidade se instala. Até uns 20 ou 30 anos atrás, acreditava-se que as pessoas ficavam obesas porque elas simplesmente comiam muito. Mas isso veio mudando ao longo do tempo e começamos a entender que não se trata apenas disso – depende muito do que se come e de como esses nutrientes interagem no organismo. Os ácidos graxos saturados – as gorduras saturadas – são capazes de induzir um distúrbio inflamatório no hipotálamo, a região do cérebro que controla a fome e o gasto energético. Ao fazer isso, o indivíduo perde a regulação neural de ambos e isso aumenta a chance de ele ficar obeso.
Mas isso é verdade para todos ou há pessoas com alguma predisposição para engordar?
Para ser obeso, é preciso haver uma predisposição, que está presente em 50% das pessoas. Ela provavelmente está associada a fatores genéticos ou epigenéticos, que é a modificação da atividade genética por fatores ambientais. Ainda não conhecemos bem esses genes, mas já foram feitos vários estudos de avaliação. O que podemos dizer é que existe um componente genético e que é ele que deve determinar se alguém exposto a uma dieta muito calórica e rica em gordura vai ou não desenvolver a obesidade.
O normal seria ganhar peso, quando se comem mais calorias, e perdê-lo ao se interromper essa dieta?
Exato, mas não é isso o que acontece. Primeiro, nem todo mundo que come muito fica obeso. Há pessoas que são geneticamente protegidas da obesidade – podem comer bastante e errado que ainda assim não desenvolvem a doença. Já outras nem comem tanto e se tornam obesas. São as associações de fatores ambientais e genéticos que vão dar o fenótipo final.
Um ponto muito importante para os cientistas hoje é entender por que as pessoas que ficam obesas por muito tempo têm uma dificuldade muito grande de voltar a perder peso. Se um indivíduo é obeso há muitos anos, já sabemos de antemão que vai ser difícil trazê-lo para seu peso normal. Há vários grupos tentando entender essa questão e o que estamos vendo é que uma dieta muito rica em gordura acaba levando alguns neurônios do hipotálamo a entrar em apoptose (morte celular). Quando se perdem esses neurônios, é mais difícil controlar o peso depois.