Física + acasos + coincidências felizes

O diretor de redação de um grande diário brasileiro escreveu que as capas dos jornais são como fatias finas de um cotidiano complexo: uma seleção de fatos entre uma multitude deles. Fica tentador extrair duas dessas lâminas de realidade da vida do físico Sergio Machado Rezende, com base nas consequências que elas teriam para sua trajetória acadêmica e política.

O primeiro desses extratos tem a ver com a decisão de comprar um carro novo, pôr nele a família e dirigir até o Recife (PE), chegando lá por volta de 10 de janeiro de 1972. “Gostei muito da vida aqui. Tínhamos crianças pequenas, aluguei uma casa com quintal, árvores… Era uma vida muito diferente da do Rio de Janeiro, onde eu morava em um apartamentozinho, espremido.” Hoje, são mais de 40 anos na cidade.

Segundo Rezende, acasos e coincidências felizes o levariam a ocupar cargos como o de diretor científico da Facepe, secretário de Ciência e Tecnologia de Pernambuco e ministro da Ciência e Tecnologia

Segunda fatia: comprar em um sebo parisiense o livro The people and the power [O povo e o poder] e encontrar o autor, Miguel Arraes (1916-2005) – então, político exilado e futuro governador de Pernambuco por mais duas vezes –, em setembro de 1979, em um voo da capital francesa para o Brasil. “Criei coragem e fui lá pedir um autógrafo. Ele deu o autógrafo e fiquei extasiado.”

A decisão pela primeira compra (carro) deu largada ao desafio de montar, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Departamento de Física – hoje, referência na área –, projeto concebido, anos antes, por então cinco estudantes de engenharia da UFPE. A segunda compra (livro) – com boa contribuição da coragem para o autógrafo – deflagrou os eventos – para Rezende, “acasos e coincidências felizes” – que o levariam a diretor científico da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe), a secretário de Ciência e Tecnologia de Pernambuco e a ministro da Ciência e Tecnologia, no governo Lula.

Sergio Rezende, com Lula e Pelé
Em 2007, o físico Sergio Rezende junto com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o jogador Pelé, que, segundo ele, são os dois brasileiros mais conhecidos do mundo. (foto: Ricardo Stuckert)

Em entrevista para a revista publicada pelo Prêmio Fundação Conrado Wessel – que ele recebeu este ano –, Rezende se diz feliz por poder “ser pesquisador em tempo integral”.

Nascido em 3 de outubro de 1940, casado há cerca de 25 anos com Adélia, sua segunda mulher, pai de três filhas do primeiro casamento (Cláudia, Isabel e Marta), avô de seis netos (nenhum botafoguense como ele), Rezende talvez esteja realizando, finalmente, os anseios daquele jovem engenheiro eletrônico carioca que, formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 1963, viu, no ano seguinte, sua vida mudar com a mesma velocidade do cenário político brasileiro. “Eu me formei, casei-me em janeiro, fui contratado pelo Centro de Computação da PUC, montei apartamento em fevereiro, assisti ao golpe militar em março, batalhei pela bolsa [da Fundação General Electric, operacionalizada pela Comissão Fulbright] em abril, desmontei o apartamento em maio e viajei [sozinho] para os EUA em junho.”

Em 1967, após o doutorado no MIT, foi contratado pelo Departamento de Física da PUC-Rio como professor associado e tornou-se, logo depois, assessor do CNPq

Voltou para o Brasil em dezembro de 1967, com um doutorado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. Foi contratado pelo Departamento de Física da PUC-Rio como professor associado e tornou-se, logo depois, assessor do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e, por curto período, professor titular da Universidade Estadual de Campinas. Dessa cidade paulista, por sinal, Rezende partiria com a família no tal carro novo, rumo ao Recife e, cerca de oito anos depois, para uma viagem à Europa na qual ele, em Paris, passaria em um sebo… 

Os tais acasos e coincidências felizes – com base na própria semântica dessas palavras – não antecipam local, data e hora dos encontros. Mas uma coisa é certa: essas duas entidades – para alguns, aleatórias; para outros, inexistentes, pois determinadas pela conjetura dos fatos – sabem muito bem que a sala do ex-ministro e do agora físico 100% realizado fica no 2º andar do Departamento de Física da UFPE.

Terceira fatia… 

Por que o senhor decidiu ser engenheiro?
Quando cursava o ginásio, era um aluno mediano, estudava o suficiente para passar de ano, por falta de interesse na escola – meu pai [Leo Resende, com ‘s’] não admitia que se ficasse de segunda época [recuperação]. Mas, no científico [ensino médio com ênfase em ciências], houve uma transformação. Tive um professor de física muito bom [Luiz Eduardo Machado], astrônomo do Observatório Nacional [Rio de Janeiro (RJ)]. Passei a gostar de estudar física e matemática e me tornei um bom aluno. Em meados da década de 1950, a classe média só vislumbrava três profissões: médico, advogado e engenheiro. Meu pai [advogado] queria que algum filho fosse médico, e os três foram fazer engenharia. Minha irmã, um ano mais velha que eu, entrou na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) para estudar matemática. 

Quando chegou o vestibular, fiquei na dúvida se fazia física ou engenharia. Como ouvia dela histórias muito ruins sobre a FNFi – professores peculiares, catedráticos –, que era a única graduação de física no Rio de Janeiro, fui perdendo a vontade de prestar para física. Acabei me interessando por engenharia eletrônica, a ponto de fazer cursos de rádio por correspondência. Decidi, então, pela engenharia eletrônica – a ENE [Escola Nacional de Engenharia, que se tornaria a Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)] não tinha esse curso, só o de eletrotécnica. Assim, fui para a PUC, contrariando a vontade de meu pai, que me queria numa universidade pública. Antes da PUC, só havia um curso de engenharia eletrônica no Brasil, criado no início da década de 1950, no ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica, em São José dos Campos (SP)] – o da PUC, surgiu em torno de 1955.

Na graduação, o senhor manteve contato com a física? 
Sim, sempre. Fui monitor do laboratório de física, bolsista de iniciação científica, no quarto e quinto anos da engenharia. Tive dois orientadores estrangeiros, ambos alemães, Gunter Kegel e Alfred Reiss, ambos levados para a PUC pelo padre [Francisco Xavier] Roser [1904-1967], austríaco, fundador do Instituto de Física, em 1959. Os dois eram físicos experimentais cujos laboratórios tinham equipamentos de eletrônica e de micro-ondas – meu maior interesse. 

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Olival Freire Jr.
Instituto de Física
Universidade Federal da Bahia
Antonio Augusto Passos Videira
Departamento de Filosofia
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ

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