Recentemente, a discussão sobre o significado biológico de raça tem ocupado a atenção geral, principalmente devido à polêmica adoção de cotas para admissão às universidades. As regras estabelecidas pelas instituições mais preocupadas com a inclusão social e que optaram por abordar o problema pelo aspecto racial não foram claras quanto à sua definição. Assim, talvez para evitar que o manual do vestibular ficasse muito extenso, as universidades deixaram que o candidato se autoclassificasse racialmente. Entretanto, até para aquele candidato não oportunista, a decisão sobre a própria raça não é trivial e acaba se restringindo à cor da pele. Mesmo assim, em um país de tantos matizes como o Brasil, essa não é uma tarefa fácil.

O que diz a biologia? Não há uma definição precisa, particularmente tratando-se de humanos. Do ponto de vista formal, uma raça poderia ser considerada como uma subespécie, o que pode ser frouxamente explicado como um grupo de indivíduos da mesma espécie que apresentam características semelhantes. Isso pode incluir cor da pele, estatura, grupos sangüíneos etc. Nos animais domésticos, a distinção de raças é mais óbvia porque existe aí a seleção artificial. Criadores isolam cães, gatos, bois, cavalos e aves e dirigem seu acasalamento, o que leva, após algumas gerações, a grupos, as raças, que, embora diferentes na aparência, ainda mantêm uma identidade genética muito grande. Tanto que não existe uma barreira reprodutiva entre elas.

Nos seres humanos, não sujeitos à seleção artificial, as diferenças genéticas são ainda mais discretas. O estudo de diversos marcadores genéticos já deixou claro que de fato há poucas diferenças entre os indivíduos oriundos de etnias bastante distintas, como por exemplo, entre populações estáveis separadas por continentes. Em média essas diferenças ficam em torno de 4% do DNA.

No entanto, isso tampouco resolve o problema. Sabemos que bastam poucos genes para determinar grandes diferenças – como evidenciou a recente comparação dos genomas de chimpanzés e humanos. Portanto, os 4% de diferenças entre etnias humanas seriam mais que suficientes para formar conjuntos distintos, que poderiam ser chamados de raças. Nesse contexto, pode-se elaborar regras que sirvam para distribuir os humanos em categorias diversas. Por exemplo, aproveitando a existência dos bancos de dados de marcadores genéticos, é possível programar computadores (que não são preconceituosos) para separar os indivíduos em grupos comparando tais dados. Se instruirmos o computador a separar a população mundial em, digamos, três grupos, ele o fará e produzirá três grandes raças, ou subpopulações, cujas diferenças serão absolutamente genuínas. Se pedirmos cinco grupos, o computador prontamente estabelecerá que o mundo é constituído de cinco raças humanas, e assim por diante.

Sempre buscando a concepção de raça, abandonemos a genética e voltemo-nos para o ambiente. Será possível dividir as populações com base em características culturais? Definitivamente, sim! Os antropólogos afirmarão que as culturas são até mais resistentes às mudanças do que os próprios genes. Estudos recentes mostraram que, em nível global, há muito mais miscigenação do que homogeneização cultural. Basta lembrar que a distância entre Reino Unido e França, de 34 km, não diluiu a profunda diferença cultural entre as duas nações, mesmo na época atual, de intenso tráfego. Assim, a visão de um mundo dividido em raças culturais também procede.

Podemos prosseguir indefinidamente escolhendo ora um critério, ora outro, e em todos os casos teremos argumentos convincentes. Percebe-se, desse modo, que o conceito de raça é eminentemente arbitrário. A preocupação com sua definição talvez decorra mais de um uso político do que da pesquisa da entidade biológica em si. Talvez a solução para racistas e não-racistas possa ser encontrada na excelente palestra de Kenan Malik no Cheltenham Festival of Science em 2003, que recomendou aceitar e cultivar culturalmente mais as diferenças entre as raças. Só assim, teremos mais orgulho e curiosidade sobre as nossas origens.  

 

Franklin Rumjanek
Departamento de Bioquímica Médica,
Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

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