Os pequenos mussaranhos têm, em geral, membros e olhos diminutos, grandes focinhos e pelagem quase sempre densa (foto: Phil Myers / Animal Diversity Web)

Embora façam parte do terceiro maior grupo de mamíferos, os musaranhos são ilustres desconhecidos para a maioria dos brasileiros. Esses animais impressionam pelo pequeno tamanho e por seus hábitos e características. Muitos pesquisadores têm se interessado por eles, tentando entender como a evolução solucionou problemas ligados a tamanhos de corpo, em especial os que dizem respeito à fisiologia e ao metabolismo.

Os musaranhos são velhos conhecidos do homem. Na China, os chen-shu , como são conhecidos, são tratados como animais que dão sorte, pois produzem sons parecidos com o vocábulo ‘dinheiro’ na língua mandarim. Para os antigos egípcios, eram animais terrestres que “vinham da escuridão”, assim como cobras, besouros e outros, e tinham grande importância religiosa. Diversos exemplares já foram encontrados mumificados.

Embora não exista nenhuma espécie de musaranho no Brasil, eles fazem parte do terceiro maior grupo de mamíferos existentes – a ordem Insetivora. Existem em todo o mundo, já reconhecidas pela ciência, 423 espécies de musaranhos. Só perdem em número de espécies para os roedores e os morcegos. A maioria das espécies tem hábitos noturnos e é muito discreta. São encontrados em ambientes bem variados: de regiões semi-áridas a florestas quentes e úmidas, florestas de montanha e áreas alagadas. A maioria vive na superfície do solo, mas algumas espécies são fossoriais (habitam galerias subterrâneas) e outras semi-aquáticas ou arbóreas.

O nome insetívoro refere-se ao hábito alimentar da maioria dos mamíferos dessa ordem: consomem basicamente pequenos artrópodes, principalmente insetos. Mas não representa uma definição correta desses animais, porque diversas espécies são onívoras (comem todo tipo de alimento) e até carnívoras, enquanto mamíferos de outras ordens podem ser completamente insetívoros.

Ancentrais dos placentários
Tidos como um grupo primitivo, os Insetivora são considerados os ancestrais de todos os outros mamíferos placentários – o que exclui os marsupiais, as équidnas e os ornitorrincos. Há um amplo consenso de que todos os primatas, inclusive o homem, evoluíram de uma linhagem de insetívoros ancestrais de hábitos arbóreos.

O registro fóssil dessa ordem inclui grande diversidade de gêneros (cerca de 150), o que pode refletir a incerteza das relações de parentesco dos fósseis dessa ordem com outros grupos de mamíferos – tornando a ordem, por muito tempo, um verdadeiro ‘saco de gatos’. Os insetívoros mais antigos datam do período Eoceno (há 50 milhões de anos) e pertencem às famílias Soricidae (musaranhos) e Talpidae (toupeiras).

Os insetívoros atuais habitam, principalmente, a América do Norte, a Europa, a África e o sul da Ásia. Sua entrada na América do Sul ocorreu depois que entre esta e a América Central formou-se uma ponte de terra: a região do atual Panamá. Isso aconteceu há 2,5 milhões de anos, no limite entre os períodos Plioceno e Pleistoceno, acabando com mais de 60 milhões de anos de isolamento dos dois territórios continentais. Muitas espécies de mamíferos norte-americanos migraram para o sul e vice-versa, e por isso o período é conhecido como ‘o grande intercâmbio faunístico’. Entretanto, nem todas as espécies migrantes foram bem sucedidas no novo ambiente. Entre os musaranhos, apenas um gênero conseguiu adaptar-se à região neotropical (Américas do Sul e Central), sendo representado hoje por apenas 12 espécies.

Os musaranhos pertencem à família Soricidae, que abrange 312 espécies distribuídas em 23 gêneros. Surgiram na Eurásia, migraram para a África, depois para a América do Norte e finalmente para o norte da América do Sul. O registro fóssil indica que essa família separou-se dos outros insetívoros no Eoceno. Os gêneros modernos, porém, só apareceram a partir do Mioceno, há 24 milhões de anos. Os soricídeos são os menores insetívoros, com tamanhos variando de 3,5 cm e 3 g até 100 g e 25 cm de comprimento. Têm membros pequenos, olhos diminutos, focinhos grandes e pelagem geralmente densa, curta e escura.

Algumas espécies têm uma glândula odorífera que parece ficar mais ativa na época reprodutiva. Outras têm glândulas salivares que produzem substâncias tóxicas, usadas para paralisar suas presas. Também emitem sons de alta freqüência, durante toda a vida, para ecolocalizar presas e para se orientar, como os morcegos. É como se formassem uma ‘imagem’ do ambiente que está servindo de anteparo para seus sons. Esses sons, muito altos, não são captados por ouvidos humanos.

Diego Loretto
Laboratório de Vertebrados do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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