Ao liberar aos poucos um hormônio semelhante à progesterona, o dispositivo intra-uterino alivia as dores da endometriose sem provocar efeitos colaterais

Um método contraceptivo lançado há cinco anos no mercado brasileiro revelou-se eficaz no combate à endometriose – doença que atinge mais de 10% das mulheres brasileiras em idade fértil. Trata-se de um dispositivo intra-uterino (DIU), que libera gradualmente um hormônio similar à progesterona e atenua as dores das pacientes, sem provocar os efeitos colaterais das injeções hormonais usadas convencionalmente no tratamento do problema. Esses benefícios foram constatados em 82 voluntárias de 18 a 40 anos durante pesquisa realizada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade de São Paulo (USP), que comparou os dois tratamentos.

 
Todas as participantes sofriam de endometriose, ou seja, sentiam fortes dores pélvicas por causa da invasão de células que revestem o interior do útero (endométrio) em outros órgãos da cavidade abdominal, como bexiga, ovários e intestino. As pacientes foram divididas em grupos de acordo com o tipo de tratamento a que se submeteram. Em 39 delas, foi colocado um DIU que libera baixas doses de um hormônio sintético chamado levonorgestrel. As outras 43 foram tratadas com injeções de hormônios análogos aos liberadores de gonadotrofina (chamados GnRH).
 
As pacientes foram monitoradas antes, durante e depois do tratamento, que durou, em média, seis meses. Ao longo desse tempo, verificou-se nos dois grupos que a dor foi significativamente reduzida. No entanto, nas mulheres que tomaram as injeções, os pesquisadores observaram efeitos como calores no corpo, insônia, alterações no humor e ressecamento vaginal, sintomas bastante característicos da menopausa. “Isso acontece porque as injeções provocam uma espécie de menopausa química”, diz o ginecologista e coordenador do estudo Carlos Alberto Petta, do Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher, da Unicamp.
 
Petta explica a diferença da atuação entre as duas terapias: “Os análogos de GnRH bloqueiam a produção da progesterona (hormônio responsável pelo crescimento do endométrio) na glândulas da hipófise, que passam a secretar menos substâncias naturalmente só a partir da maturidade. Já o levonorgestrel lançado pelo DIU – ou endoceptivo, como também é chamado – impede apenas a ação da progesterona na região do útero.”
 
Além disso, o pesquisador lembra que a injeção hormonal deve ser usada durante três ou quatro meses, porque, se prolongado o prazo, corre-se o risco de desenvolver osteoporose. Em contrapartida, o endoceptivo pode ficar alojado no corpo feminino por até cinco anos sem interrupção, durante os quais são liberadas doses controladas de 20 microgramas de levonorgestrel por dia. Isso ainda reflete uma relativa vantagem econômica do dispositivo, já que ele tem o mesmo custo (em torno de R$ 600) de uma ampola do hormônio injetável, que precisa ser reaplicado mensalmente.
 
Infertilidade ainda é problema
Os métodos anticoncepcionais vêm sendo usados há muitos anos para tratar a endometriose. Além de injeções hormonais, é comum o uso de pílulas, anéis vaginais ou adesivos. À medida que inibem a ovulação, eles reduzem o fluxo menstrual e contêm o crescimento do endométrio. “A quantidade de sangramento também está diretamente relacionada à liberação de prostaglandina, substância que provoca contrações uterinas e, conseqüentemente, dores pélvicas”, esclarece Petta.
 
Na pesquisa feita pela Unicamp e pela USP, a maioria das voluntárias, tanto as que tomaram injeções quanto as que usaram DIU, tiveram a menstruação interrompida. O endoceptivo, que começou a ser comercializado em 2000, tinha eficácia comprovada apenas para a contracepção. “Os resultados satisfatórios em relação à ausência de efeitos adversos lançam-no, portanto, como nova alternativa no combate à endometriose”, comenta o ginecologista.
 
Estudos anteriores mostram que cerca de 40% das mulheres que têm dificuldade em engravidar sofrem de endometriose. Assim, todos os tratamentos existentes atualmente para conter a doença não são satisfatórios para aquelas que querem ter filhos. Nesses casos, Petta recomenda remover as lesões cirurgicamente – método mais invasivo – e recorrer posteriormente a técnicas de reprodução assistida, como fertilização in vitro ou inseminação artificial.
 
Embora um passo importante tenha sido dado em direção ao combate da endometriose, ainda não se pode falar em cura, até porque suas origens são desconhecidas. “O que fazemos é tratar a dor provocada pelo problema, porque por mais que as lesões regridam, elas podem voltar ocasionalmente”, alerta o pesquisador, lembrando que qualquer que seja o método escolhido, o cuidado deve ser contínuo. Segundo Petta, além de tomar os medicamentos adequados com regularidade, é fundamental adquirir hábitos saudáveis, como uma dieta balanceada e uma rotina de exercícios físicos. “A combinação desses fatores contribuiu para o bem-estar geral das pacientes”, conclui.

Lia Brum
Ciência Hoje/RJ.

 

 

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