A habilidade de transpor conhecimentos

Artur Avila tinha 16 anos quando recebeu a medalha de ouro na Olimpíada Internacional de Matemática. Terminava o ensino médio no ano em que ingressou no mestrado do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Na véspera de defender sua tese de doutorado na mesma instituição, foi à Universidade Federal do Rio de Janeiro fazer a última prova do bacharelado em matemática. Nessa época, já se preparava para um pós-doutorado no Collège de France. Em seguida, ingressou no Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês), onde foi o mais jovem a se tornar diretor de pesquisa, cargo que acumula atualmente junto com o de pesquisador do Impa.

Mesmo acostumado aos sobressaltos de sua precoce carreira, o matemático brasileiro, hoje com 30 anos, foi pego de surpresa ao receber o convite para proferir uma conferência plenária no Congresso Internacional de Matemática, em agosto de 2010, na Índia. Embora tenha recebido premiações importantes – Salem em 2006, Prêmio da Sociedade Matemática Europeia em 2008 e Grand Prix Jacques Herbrand da Academia de Ciências da França em 2009 –, este é o maior reconhecimento de seu trabalho até aqui. Do Brasil, apenas Marcelo Viana, também do Impa, já passou pela experiência.

Nesta entrevista, Avila fala sobre seus estudos em sistemas dinâmicos e sobre como tem conseguido transpor seus conhecimentos nessa área para outros campos da matemática. Ele discute também o papel da boa divulgação científica, que poderia levar, a seu ver, a um melhor conhecimento e maior interesse pela profissão.

Carla Almeida
Especial para a Ciência Hoje/RJ

Como recebeu o convite para proferir uma conferência plenária no evento mais importante da matemática?

Alguns colegas matemáticos diziam que eu provavelmente seria convidado para falar no congresso. Parecia natural, pois havia obtido vários resultados importantes. Mas, pelo perfil dos conferencistas que costumam participar desses eventos – em geral, matemáticos numa fase mais avançada da carreira –, eles esperavam que eu fosse convidado para participar de uma sessão paralela. Eu também. Por mais que tenha feito trabalhos relevantes, sei que há uma longa lista de pessoas que mereciam ser convidadas. Portanto, não era algo esperado. Naturalmente, fiquei bastante feliz. É uma grande oportunidade, mas também uma responsabilidade imensa falar para tantas pessoas e conseguir fazer com que elas tirem proveito da conferência.

Sobre o que será a conferência?

Transito por áreas bastante diferentes, que não necessariamente caberiam em uma mesma palestra. Eu poderia falar sobre uma delas, mas minha ideia é tentar traçar um fio condutor que ligue essas áreas, até para mostrar que, embora pareçam distintas, elas podem ser vistas por um mesmo ângulo. Nesse caso, pelas mesmas leis que regem os sistemas dinâmicos, que é o grosso do meu trabalho. Há alguns conceitos em sistemas dinâmicos que podem ser aplicados em situações diversas. Quero mostrar que é possível fazer avanços significativos transferindo o que se aprendeu ou se descobriu em uma área para outra. Isso acontece comigo com frequência. Como não vou poder entrar em muitos detalhes para mostrar as diferenças entre as áreas às quais me dedico, posso pelo menos falar sobre o que há de similar entre elas.

Poderia falar um pouco sobre essas áreas?

As três áreas em que venho trabalhando são dinâmica unidimensional, operadores de Schrödinger quase periódicos e fluxo de Teichmuller. Em dinâmica, estuda-se o comportamento de um sistema que evolui com o tempo. Mesmo se o que ocorre com o sistema após um curto período pode ser descrito por uma expressão simples (como uma função quadrática, que é estudada no ensino fundamental), o seu comportamento de longo prazo pode ser extremamente complexo. Em particular, pequenas variações no estado inicial do sistema podem ser magnificadas rapidamente e terem grandes consequências. Embora isso dificulte ou impossibilite previsões determinísticas, é possível, em geral, fazer uma descrição muito efetiva desse sistema usando a probabilidade. Os meus primeiros trabalhos foram dedicados ao estudo das leis probabilísticas que emergem da iteração de funções, como as quadráticas. Como o estado do sistema é descrito a todo momento pela mesma variável, trata-se de um problema de dinâmica unidimensional.

Depois, me interessei por um objeto que vem da física, um operador de Schrödinger. Nesse modelo quântico, o conjunto das energias fisicamente possíveis corresponde ao espectro do operador, cuja matemática em si é interessante. Embora não seja propriamente um sistema dinâmico, existe uma dinâmica associada, um cociclo quase periódico, que dá muita informação sobre problemas espectrais.

Já outro aspecto do meu trabalho tem a ver com sistemas particularmente simples. Para dar uma ideia de como sistemas simples podem ser complicados, costumo usar o exemplo do baralho. Quando você corta o baralho em dois, embora a carta que estava em cima mude de lugar, a ordem cíclica das cartas não se altera. Agora, considere uma situação similar em que você corta o baralho em quatro e depois monta o bolo ao contrário. Isso foi mais eficiente do que fazer só um corte? Alguma ordem está sendo preservada neste caso? Trabalho em cima de questões como essas, sendo que o ’meu baralho’, para continuar usando a mesma analogia, tem um número infinito de cartas, o que traz muito mais complexidade para o problema. Apesar de não se tratar de um sistema dinâmico caótico, existe um por trás, ligado ao fluxo de Teichmüller, que permite a introdução de técnicas probabilísticas no seu estudo. O fluxo de Teichmüller é um operador de renormalização, uma dinâmica no espaço dos sistemas dinâmicos que relaciona o comportamento do sistema em diferentes escalas. Também no caso das funções quadráticas e dos cociclos quase periódicos, muito da análise envolve o estudo da metadinâmica de operadores de renormalização. É por meio da renormalização que pretendo ligar essas três áreas na minha palestra.

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