A cena é clássica: um turista em primeiro plano e o Pão de Açúcar e a lagoa Rodrigo de Freitas ao fundo. A fotografia deve ter sido tomada desde a plataforma do Cristo Redentor no Corcovado. Certo? Errado: a foto foi feita na Vila dos Atletas, na Barra da Tijuca. Não era um turista, mas um delegado olímpico chinês; nem era a lagoa, mas uma representação dela. Foi publicada na capa do jornal O Globo na edição de 26 de julho.
A utilidade dos painéis fotográficos que foram erguidos na Vila, segundo os seus promotores, é decorar com paisagens cariocas a ala internacional das moradias. Ademais, ajuda aos que ficam aí hospedados, a 40km do Corcovado e do Pão de açúcar, a levar uma lembrança da Cidade Maravilhosa. (Se ficarem restritos à Vila e ao Parque Olímpico, os visitantes levarão fotos dos Jogos de 2016, não do Rio de Janeiro.)
Não é inédito. Há alguns anos, um shopping center, localizado também na Barra, construiu à frente de seu edifício altos painéis fotográficos de ícones arquitetônicos ou paisagísticos do Rio, como o Maracanã, o Pão de açúcar e o sambódromo. Talvez estivesse à espera desse novo bairro construir sua identidade ambiental. Enquanto isso, utilizava a paisagem carioca.
Os dois casos ilustram uma das faces das grandes cidades de hoje, formadas em extensas ocupações articuladas rodoviariamente, que o arquiteto holandês Rem Koolhaas chamou por “cidade genérica”. Elas conformam paisagens assemelhadas mundo afora. Fazem com que o viajante percorra muitos lugares sem sair de sua própria localidade. Sobretudo o ‘turista’ corporativo ou de negócios, sempre com pressa, sempre em viagem, pode circular pelos continentes turistas apressados posam para fotos que testemunham sua passagem pelo lugar sem perder a sensação de que está em casa. Para isso, hotéis com mesmo padrão, lojas em aeroportos e em shopping centers – que são as mesmas em todos eles –, gastronomia baseada nos fast foods – também os mesmos em todas as cidades –, tudo isso faz da viagem um exercício ameno, sem sobressaltos.
Ao ‘turismo’ corporativo se junta o dos grandes eventos. Milhares de pessoas se deslocam para um centro de convenções onde, por alguns dias, trocam experiências profissionais entre iguais, e, ao fim do encontro, regressam a suas cidades sem lembrar onde estiveram. Istambul? Nairóbi? Atlanta?
A chamada arquitetura das grandes estrelas, composta por edificações espetaculares assinadas por arquitetos que orbitam no sistema estelar internacional, ajuda a criar ícones para a identidade dessas cidades iguais. É à frente dessas edificações que os turistas apressados posam para fo tos que testemunham sua passagem pelo lugar. Depois fica a dúvida: Califórnia? País Basco? França? Emirados? Japão? Frank Gehry? Zaha Hadid? Jean Nouvel?
No caso do Rio de Janeiro, cujas imagens ambiental e cultural estão tão intimamente associa das à paisagem, por que não trazer a paisagem até nós? É mais confortável, é mais econômico, é mais rápido.
E, ainda, permite que os equipamentos para convenções ou grandes eventos sejam localizados onde o interesse comercial possa auferir mais lucros, anexando hotéis, auditórios, arenas, cassinos e similares. É mais jogo.
A vida está muito difícil. Muitos perigos estão à ronda. Para que complicar? Um bom painel fotográfico pode poupar muito tempo e dinheiro ao viajante apressado (e pouco curioso sobre as diferenças).
E vamos nós construindo nosso mundinho cada vez menor, cada vez mais nos bastando a nós mesmos.
Sérgio Magalhães
Programa de Pósgraduação em Urbanismo (Prourb)
Faculdade de arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal do Rio de Janeiro