Em sua edição de 1º de março de 1916, a prestigiosa revista Physical Review publicou um artigo que iria impulsionar o novo paradigma da física estabelecido na virada do sécu lo: a passagem da física clássica para a física moderna. O autor daquele artigo, o físico norte-americano Robert Andrews Millikan (1868-1953), já havia, cinco anos antes, medido com extrema precisão a carga do elétron.
No entanto, Millikan, no final do século 19 e início do passado, estava à margem da pesquisa de ponta. Dedicava-se ao ensino de física, publicando livros e manuais de laboratório. Mas tinha o olhar atento para os prenúncios da mudança de paradigma na física. Testemunhou a descoberta dos raios X (1895), da radioatividade (1896) e do elétron (1897). Acompanhou também os trabalhos de 1900 do físico alemão Max Planck (1858-1947), que resultaram na proposta de que, na natureza, a energia só é gera- dos e absorvidos em ‘diminutos pacotes’ (os quanta de energia). Nascia, assim, a chamada teoria quântica, fortemente baseada na constante h – cujo nome, mais tarde, ho- menageou Planck.
Finalmente, Millikan viu com perplexidade a equação do efeito fotoelétrico proposta, em 1905, pelo físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955), a partir de uma hipótese – no dizer de Millikan – imprudente: a de que a luz, assim como a energia, é também gerada e absorvida em diminutos pacotes (os quanta de luz).
Para Einstein, em vez de onda – como preconizava a teoria clássica do eletromagnetismo –, a luz seria composta de corpúsculos, denominados quantum de luz, que transportavam uma quantidade de energia igual ao produto da constante de Planck (h) pela frequência da luz (f): E = hf. Cerca de 20 anos depois da proposta de Einstein, o quantum de luz passou a ser conhecido como fóton. Vale ressaltar que esse foi também o tempo que a comunidade científica levou para aceitar a realidade física do fóton.
E foi com o descrédito corrente sobre a existência do fóton naquele início de século que Millikan começou a investigar a equação do efeito fotoelétrico. Confessou, em mais de uma ocasião, que começara aquela investigação para mostrar que Einstein estava errado.
Foi derrotado em sua intenção. Mas, em 1923, recebeu o Nobel de Física por esse experimento e por aquele em que obteve experimentalmente a carga do elétron.
Como bolas de bilhar
Na segunda metade da década de 1880, o físico alemão Heinrich Hertz (1857-1894) tentava produzir ondas eletromagnéticas, previstas pelo físico escocês James Clerk Maxwell (1831-1879) duas décadas antes.
Hertz percebeu que a radiação ultravioleta era capaz de liberar elétrons da superfície de um metal. O efeito fotoelétrico estava nascendo, mas Hertz não deu prosseguimento ao seu estudo, pois queria mesmo era produzir ondas eletromagnéticas, o que termi- nou conseguindo logo em seguida.
No entanto, seu assistente, o físico alemão Philipp Lenard (1862-1947), tomou conta do tema e o desenvolveu com grande sucesso experimental e gigantes- cos tropeços teóricos – estes últimos típicos de uma era de fé inabalável na teoria clássica do eletromagnetismo.
A descrição do fenômeno é de uma simplicidade estonteante. Ao incidir sobre a superfície de determinado material, um feixe de luz provoca a liberação de elétrons. Os experimentos de Lenard e de outros mostraram que, para cada tipo de material, existia uma frequência mínima da luz, abaixo da qual não havia liberação de elétrons, por mais intensa que fosse a radiação incidente.
Além disso, a velocidade (energia cinética) máxima com que os elétrons saltavam da superfície do material só dependia da frequência da luz e do tipo do material fotossensível – e não da intensidade do feixe. Esses resultados eram inconsistentes com a teoria clássica, segundo a qual qualquer radiação deveria liberar elétrons, desde que fosse suficientemente intensa. E a energia cinética máxima dos elétrons também de- veria ser proporcional à intensidade da luz.
A partir da hipótese do quantum de luz, Einstein explicou o fenômeno de forma tão simples quanto sua descrição. Em vez de se espalhar continuamente pelo material – como previa a teoria clássica –, a energia da radiação incidente (hf) seria transferida dos corpúsculos de luz para os elétrons, de uma única vez – como em um choque de duas bolas de bilhar. Nesse processo, o elétron recebe a energia do fóton e a usa para se livrar do átomo e saltar da superfície do material – o efeito fotoelétrico é mais facilmente observado em metais, por exemplo.
Essa explicação resulta na equação de Einstein para o efeito fotoelétrico – que lhe valeu o Nobel de Física de 1921. De um lado da equação, está a energia cinética máxima dos elétrons (E), que pode ser medida por meio da aplicação de uma voltagem (o chamado potencial de corte) aplicada à superfície do material fotossensível. Do outro, fica a diferença entre a energia do fóton incidente (hf) e a energia gasta pelo elétron para sair do material (W). Portanto, a equação é a seguinte: E = hf – W.
Ao deduzir essa equação, Einstein concluiu: “Se a fórmula deduzida for correta, então, o gráfico do potencial de corte em função da frequência da luz incidente deve ser uma reta, cujo coeficiente angular é independente do material da superfície metálica”.
O coeficiente angular (ângulo formado pela reta e o eixo x do gráfico) mencionado por Einstein seria justamente a constante de Planck dividida pela carga do elétron (h/e). Mas, sair desse cenário descritivo, teórico, para a prática experimental exigiu de Millikan mais de 10 anos de exaustivos experimentos.
Meticuloso, Millikan investigou várias fontes de erros experimentais que produziam medidas imprecisas nos trabalhos daqueles que o antecederam. Por exemplo, a limpeza da superfície dos metais; o modo como se definia a voltagem; e a forma como se media a energia cinética máxima dos elétrons.
Dualidade Partícula-Onda
Millikan iniciou os experimentos sobre o efeito fotoelétrico em 1905, e o primeiro trabalho foi publicado já no ano seguinte. Entre este e o artigo famoso de 1916, ele publicou pelo menos mais seis deles, sempre apresentando melhorias nas condições experimentais e obtendo resultados mais precisos. Finalmente, chegou à curva experimental (figura na página ao lado), de onde extraiu o valor da constante de Planck: h = 6,57×10-27 erg.s.
Os resultados experimentais obtidos por Millikan não deixavam mais a menor dúvida a respeito da validade da equação de Einstein, mas a ideia do quantum de luz continuava sendo rejeitada por praticamente toda a comunidade científica. O principal empecilho para a aceitação da teoria corpuscular de Einstein era a incompatibilidade com fenômenos de difração e interferência, ambos tidos como um tipo de Santo Graal da teoria ondulatória da luz.
Embora Einstein tenha apontado para a possibilidade da dualidade partícula-onda no comportamento da luz, em um artigo de 1909, o problema só começou a ser bem equacionado em 1923, com a teoria do físico francês Louis de Broglie (1892-1987) e a descoberta experimental do efeito Compton – no qual a luz, ao se chocar contra elétrons, comporta-se como um corpúsculo. Dois anos depois, novos experimentos confirmaram de vez a realidade do fóton, e o quantum de luz passou a ser conhecido como fóton.
Carlos Alberto dos Santos
Departamento de Ciências Exatas e Naturais
Universidade Federal Rural do Semiárido