Considerado o maior naturalista luso-brasileiro do período colonial, Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815) ainda é desconhecido do grande público. Desde o início do século 19, os governantes brasileiros tentam publicar as memórias e os desenhos produzidos durante sua ‘viagem filosófica’, a longa expedição científica que percorreu o norte do Brasil. Uma série de contratempos impediu, até agora, a divulgação do rico material, disperso em vários arquivos brasileiros e portugueses.
Comandada por Ferreira, essa viagem foi a mais importante expedição científica portuguesa do século 18. Ela percorreu, entre 1783 e 1792, o interior das capitanias do Pará, Rio Negro (parte do atual estado do Amazonas) e Mato Grosso. Ao longo da jornada, o naturalista e sua equipe produziram um rico acervo, composto de diários, mapas populacionais e agrícolas, cerca de 900 desenhos e aquarelas (além de pinturas a óleo de vilas, fachadas de prédios, panoramas de rios e cachoeiras) e dezenas de memórias (artigos) dedicados às plantas, animais e índios.
Os diários, a correspondência e algumas memórias foram publicados, somente a partir da segunda metade do século 19, sobretudo na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro . Uma enorme lista de manuscritos oriundos da viagem também foi publicada, na década de 1870, nos três primeiros volumes dos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro . No entanto, apenas há 30 anos o Conselho Federal de Cultura editou uma parte representativa das pranchas e memórias da expedição. No entanto, ainda há manuscritos e imagens da maior importância que continuam inéditos em arquivos portugueses e brasileiros. Na Fundação Biblioteca Nacional, no Brasil, e no Arquivo Histórico do Museu Bocage, em Portugal, estão depositados os principais registros textuais e visuais da expedição, um vasto material sobre a Amazônia.
Do direito à história natural
Natural de Salvador (BA), filho de comerciantes, Alexandre Rodrigues Ferreira estudava em Portugal desde os 14 anos, e em 1773 ingressou no curso de direito da Universidade de Coimbra. Como no Brasil colonial não havia faculdades, era preciso ir para o exterior para obter o título de bacharel, e só as pessoas de posses tinham condições de sustentar seus filhos em universidades européias. Tornar-se bacharel era a oportunidade de obter postos de prestígio na burocracia da colônia ou da própria administração portuguesa. O curso universitário, portanto, fazia parte de uma estratégia de ascensão social das elites luso-brasileiras.
As escolhas iniciais de Ferreira indicavam que seguiria a carreira de magistrado, forma mais segura e direta de inserção na burocracia como juiz de fora, ouvidor ou até desembargador. No entanto, durante o curso ele interessou-se pela filosofia natural, o que significava o risco de não encontrar cargo na burocracia, ou de exercer funções sem o mesmo prestígio que tinham as dos magistrados. Sua rápida passagem pela Faculdade de Matemática talvez tenha sido uma estratégia para alcançar o prestigioso título de cavaleiro da Ordem de Cristo, pois os melhores alunos seriam agraciados com essa mercê e teriam a preferência para ocupar cargos nos Almoxarifados, segundo o estabelecido no Estatuto da Universidade de Coimbra em 1772.
O excelente desempenho no curso da Faculdade de Filosofia, porém, o afastou dos gabinetes, fazendo com que fosse convidado para atuar como naturalista em várias incursões a províncias de Portugal. Ao receber o diploma de doutor em filosofa natural, em 1778, ganhou uma tarefa mais arrojada: a de percorrer os vastos e pouco conhecidos domínios ultramarinos da coroa portuguesa. Ferreira foi o primeiro vassalo português a exercer o posto de naturalista a mando da monarquia lusitana (o trono era ocupado, na época, pela rainha Maria I).
Ronald Raminelli
Departamento de História, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia,
Universidade Federal Fluminense
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