Estratégias para a inovação em saúde pública

Doutor em ciências pela USP
Gerente de pesquisa, desenvolvimento e inovação na indústria farmacêutica

Departamento de Biologia Celular e Molecular
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
Universidade de São Paulo (USP)

A cooperação entre o governo, a iniciativa privada e a academia é fundamental para impulsionar a produção nacional de insumos farmacêuticos e o desenvolvimento de novos medicamentos, especialmente para doenças de populações negligenciadas e doenças raras

CRÉDITO: IMAGEM ADOBESTOCK

A ciência básica é essencial para gerar inovações, avanços tecnológicos e benefícios para a sociedade. Mas existem profundos desafios no caminho entre o conhecimento adquirido e suas possíveis aplicações. Atravessar esse caminho depende da interação entre diferentes setores, como academia, governo, indústria, empresas inovadoras, agências de financiamento, incubadoras, aceleradoras, prestadores de serviços, investidores privados e órgãos regulatórios. A inovação acontece quando essa complexa rede de atores interage de maneira organizada e sistêmica, formando o ecossistema da inovação. Um ecossistema de inovação forte e dinâmico promove o crescimento econômico e aumenta a capacidade de inovação local.

Relacionamentos estratégicos entre indústria farmacêutica, academia, investidores e governo são centrais para transpor barreiras no desenvolvimento de medicamentos. Essas barreiras são muito maiores quando pensamos no desenvolvimento de drogas para doenças de populações negligenciadas e doenças raras – nesses casos, os investimentos em pequenas e médias empresas inovadoras e as empresas farmacêuticas tendem a ser mais conservadores.

O grande gargalo que existe no desenvolvimento de novos medicamentos é a transição entre a pesquisa pré-clínica e a aplicação clínica, conhecida como o ‘vale da morte’. Mas a eficiente interação entre os componentes do ecossistema da inovação contribui para a sobrevivência ao vale. O desenvolvimento de medicamentos é um processo de alto risco, com mais de 80% das novas moléculas falhando nas primeiras fases dos ensaios clínicos. Estima-se que, a cada 10 mil compostos testados, apenas 250 avancem para a fase pré-clínica, cinco cheguem aos estudos clínicos e somente um seja aprovado para comercialização. Essa jornada desafiadora leva de 10 a 15 anos e custa cerca de 2,5 bilhões de dólares. 

O governo federal tem desempenhado um papel muito importante na implementação de novos modelos de política de inovação. O estabelecimento de desafios temáticos é uma de suas estratégias para promover a tradução clínica de uma inovação para doenças negligenciadas, doenças raras, doenças relacionadas à idade, doenças cardiovasculares, doenças imunopreveníveis, entre outras áreas desafiadoras em saúde pública.

Para que a inovação chegue de fato à sociedade, é necessária uma infraestrutura industrial robusta e com autonomia de produzir insumos farmacêuticos sem depender da indústria estrangeira. O Ministério da Saúde e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio coordenam uma estratégia nacional para o desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), cujo objetivo é reduzir a dependência externa e aumentar a produção nacional dos insumos demandados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de 45% para 70% até 2033.

O desenvolvimento do CEIS contribui para o fortalecimento do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde. A estratégia consiste na cooperação entre o poder público e a iniciativa privada e no uso do domínio tecnológico local para impulsionar a inovação e a implementação de soluções produtivas e tecnológicas de impacto para o SUS. Nessa parceria público-privada, os investimentos são direcionados para fomentar o desenvolvimento da produção local e a inovação em saúde, visando à redução da vulnerabilidade do SUS e à ampliação do acesso à saúde.

 Para orientar as iniciativas de investimento, o Ministério da Saúde criou a Matriz de Desafios Produtivos e Tecnológicos na Saúde. A matriz consiste em treze desafios estratégicos separados em dois blocos: 1) preparação do SUS para emergências em saúde; e 2) doenças e agravos críticos do SUS.

Para viabilizar a estratégia de desenvolvimento do CEIS, o governo criou seis programas estruturantes: Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDP), Programa de Desenvolvimento da Inovação Local (PDIL), Programa de Produção e Desenvolvimento Tecnológico para Populações e Doenças Negligenciadas, Programa de Modernização na Assistência, Programa de Ampliação e Modernização da Infraestrutura do CEIS e Programa para Preparação de Vacinas, Soros e Hemoderivados. O alto engajamento de parceiros resultou na submissão de 320 projetos, majoritariamente voltados para doenças negligenciadas e imunopreveníveis.

Os avanços conquistados até aqui demonstram que estamos no rumo certo, mas ainda há um longo percurso a ser trilhado. Para transformar conhecimento em impacto real na vida das pessoas, é fundamental que governo, academia, indústria e sociedade civil intensifiquem esforços e colaborem de forma estratégica. O sucesso dessa jornada dependerá da capacidade de articular inovação, empreendedorismo e investimentos de forma sistêmica, garantindo que descobertas científicas se convertam em soluções acessíveis e eficazes para a saúde pública.

O sucesso dessa jornada dependerá da capacidade de articular inovação, empreendedorismo e investimentos de forma sistêmica, garantindo que descobertas científicas se convertam em soluções acessíveis e eficazes para a saúde pública

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