“Hoje em dia estamos todos em movimento.” A afirmação é do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que apontou, no final dos anos 90, um aspecto singular da paisagem social e subjetiva contemporânea: a retomada do ’nomadismo’. Para ele, não há mais ’fronteiras naturais’ nem lugares óbvios a ocupar. “Onde quer que estejamos em determinado momento, não podemos ignorar que poderíamos estar em outra parte; assim, há cada vez menos razão para ficar em um lugar específico.” A asserção de Bauman orienta a análise apresentada neste artigo sobre as práticas espaciais e os fluxos subjetivos que dominam o cenário atual das metrópoles, especialmente no que diz respeito às culturas jovens.

Nossa pesquisa concentrou-se em um segmento de jovens da classe média carioca que freqüentam — segundo jargão próprio do grupo – a night. Após dois anos de contatos e observações, concluímos que eles mudaram o perfil do lazer noturno e transformaram a noite em uma categoria fundamentalmente espacial. Mas, afinal, quem são esses novos nômades urbanos?

O grupo não é determinado por faixa etária ou nível socioeconômico, mas pelo lugar que ocupa na cartografia da noite. Esses guerreiros da night compreendem o grupo que a área de estudos culturais consagrou, por contraste com o universo alternativo ou underground, como mainstream. São jovens de classe média que estudam em boas escolas, vão a boates e academias da moda, desfilam nos trechos mais concorridos da praia e, eventualmente, se espalham por outras áreas da cidade incorporadas ao circuito da diversão.

A idade dos informantes, que freqüentam o ensino médio ou as primeiras séries de cursos universitários, oscilou, em 95% dos casos, entre 15 e 19 anos. É curioso notar que os menores de 18 anos, embora legalmente proibidos de ingressar em eventos e lugares do circuito noturno regular, também fazem parte desse universo. Aliás, quanto mais jovens, maior o grau de envolvimento, o que fica evidente no caso das matinês, voltadas para o público adolescente, que corresponde, de acordo com a classificação das boates, à faixa de 13 a 17 anos.

Nosso contato com esses jovens se deu em várias circunstâncias e em diferentes espaços. Freqüentamos festas ’badaladas’ e boates da moda, cruzamos a cidade em busca do melhor programa, circulamos pelos shopping centers, postos de gasolina, bares e shows, visitamos sites na internet, consumimos filmes, seriados e revistas, entrevistamos jovens, produtores e empresários. Além disso, travamos contato com o grupo em casa, na escola, nos grêmios estudantis e nas universidades. Em suma, na tentativa de acompanhar as modulações desse objeto, nos tornamos um pouco nômades também.

Inscrito em um novo registro, o circuito noturno envolve lugares os mais distintos, como festas, boates, shoppings, cinemas, lojas de conveniência e lanchonetes situadas em postos de gasolina abertos durante toda a madrugada. Esse mapa inclui ainda fragmentos inusitados do espaço urbano estrategicamente localizados em vias de circulação: a ’porta’ de lugares da moda, escadarias, trecho de ruas e ’ilhas de cimento’. Quando inseridos no circuito de diversão, esses locais são redimensionados, tanto em sua função quanto em seu significado.

A mobilidade tornou-se, assim, o traço distintivo da ocupação da cidade à noite. Em conseqüência, a night só pode ser adequadamente construída como objeto de reflexão se interpretada como uma rede de trajetórias simultâneas, delineadas por multidões de jovens que fazem do deslocamento um fim em si.

Esse comportamento, associado a práticas discursivas específicas, transforma a noite carioca em um espaço dinâmico, em que a aglutinação em torno de certos lugares é substituída por modos diversos de circulação. Além de subverter as coordenadas do espaço urbano, as novas experiências geram inusitados processos de identidade.

Maria Isabel Mendes de Almeida
Departamento de Sociologia e Política
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

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