De início, é imprescindível um esclarecimento. O título do artigo não faz menção a grande morticínio, chacina ou outro sinônimo possível para o termo ‘massacre’. Com frequência, nos deparamos, na mídia tradicional ou eletrônica, com informações sobre assassinatos sem chance de defesa para as vítimas – por vezes, cometidos por agentes do estado. Exemplos não faltam: massacre de Vigário Geral, massacre do Carandiru, massacre da Candelária, massacre de Eldorado dos Carajás, massacre de Realengo, massacre de Suzano e, mais recentemente, o massacre do Jacarezinho, ocorrido em maio deste ano no Rio de Janeiro (RJ).
Mas o massacre tema deste artigo nada tem a ver com mortes, homicídios e crimes correlatos. Trata-se de sentido figurado da palavra ‘massacre’, como ação para desestabilizar mentalmente alguém, apoquentar, afligir, estafar.
Em O Massacre de Manguinhos, livro publicado em 1978 – em 2019, uma edição ampliada tornou-se o primeiro volume da coleção Memória Viva, da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro (RJ) –, o entomólogo Herman Lent (1911-2004) apresenta suas memórias sobre os eventos vividos por ele e seus colegas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) desde o alvorecer da ditadura civil-militar à cassação de seus respectivos direitos políticos, em 1970.
Publicado em contexto de maior abertura política no Brasil, o propósito do depoimento de Lent era “deixar documentos sobre um período sombrio de nossa história”. A partir de então, a expressão “Massacre de Manguinhos” passou a ser adotada pela comunidade científica para expressar o desmantelamento, pelo regime militar, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) entre 1964 e 1970.
Tão logo se tornou ministro da Saúde, em 24 de abril de 1964, o médico Raimundo de Moura Britto (1909-1988) exigiu a entrega das funções de chefia por parte dos pesquisadores – à época, sete dos dez cientistas que viriam a ser cassados anos mais tarde foram afastados das chefias de divisão e de seção.
Em seu discurso de posse, o político do partido União Democrática Nacional (UDN) afirmou desejar que “as ideias exóticas que em Manguinhos foram infiltradas serão banidas definitivamente” e que “Manguinhos de amanhã será uma colmeia de trabalho e não um foco de ideias subversivas”, segundo reportagem do diário Correio da Manhã, de 24 de abril de 1964.
Diante disso, solicitou que a Comissão Geral de Investigações, criada pelo decreto 53.897, de 27 de abril de 1964, formasse uma subcomissão e instaurasse inquérito civil, a cargo de Olympio da Fonseca Filho (1895-1978), ex-diretor do IOC. O objetivo era investigar pesquisadores e funcionários do instituto, por supostas ações subversivas e desvios administrativos.
Paralelamente ao inquérito civil, um Inquérito Policial Militar (IPM), na esfera militar, limitou-se a apurar a ocorrência de atividades subversivas na instituição.
Daniel Guimarães Elian dos Santos
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro
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