Os animais e seus superpoderes sonoros

Físico e divulgador de ciência no canal Ciência Nerd
Universidade Federal de Juiz de Fora

Muitas espécies emitem sons para se comunicar, buscar parceiros, se localizar no espaço, caçar e se proteger de predadores. Essas habilidades são essenciais para sua sobrevivência e perpetuação

CRÉDITO: ADOBE STOCK

Imagine-se mergulhando nas profundezas do oceano, onde a luz do sol mal penetra e tudo parece envolto em um silêncio absoluto, sem os barulhos de motores e buzinas, sem o burburinho das pessoas ou o constante ruído dos aparelhos eletrônicos. Por estar longe de tanto barulho produzido pelo ser humano, imaginamos que o oceano é um lugar silencioso.

Embora nosso ouvido tenha dificuldade de detectar com clareza sons dentro da água, o oceano é, sim, um lugar com muitos sons. Na realidade, a água é um espaço muito mais propício para o som se propagar, em comparação com o ar.

Se fôssemos capazes de ouvir todos os sons da natureza, os mares, as florestas e outros tantos biomas nos proporcionariam uma verdadeira sinfonia. Para muitos animais, fazer um barulho específico (ou ouvir bem) pode ser a diferença entre viver ou virar comida de um predador. É por meio dos sons que muitas espécies se comunicam e trocam informações, buscam parceiros para procriar, caçam e se protegem de predadores.

Neste texto, vamos conhecer alguns dos poderes sonoros de animais e os impactos dos ruídos humanos nos ecossistemas.

O poder do som na natureza

Na natureza, o som é utilizado de tantas formas e com tantos objetivos que às vezes parece até um superpoder.

Os morcegos, por exemplo, possuem uma ecolocalização que lhes permite voar na completa escuridão sem bater em nada e caçar insetos no ar. Eles emitem sons tão agudos (em uma frequência tão alta) que nosso ouvido nem é capaz de detectar. Quando esse som bate em algum objeto (como uma árvore, uma parede ou um mosquito), ele volta em direção ao morcego que o emitiu, como um eco. O morcego escuta esse eco e, em questão de milissegundos, já sabe onde está o obstáculo ou a comida, o seu tamanho e até mesmo se está parado ou em movimento. É como se ele conseguisse enxergar com os ouvidos.

Inspirado na ecolocalização do morcego e de outros animais, o ser humano desenvolveu tecnologias como o sonar, que é usado por navios e submarinos para detectar obstáculos na escuridão do fundo do mar. Há também a ultrassonografia, que utiliza ondas sonoras de alta frequência para ‘enxergar’ partes internas do corpo humano.

A ecolocalização dos morcegos é tão poderosa que criou uma pressão seletiva no mundo animal, fazendo com que algumas espécies de insetos, ao longo de milhões de anos, desenvolvessem habilidades protetivas. As mariposas-tigre, por exemplo, produzem estalos que interferem no sonar dos morcegos e as mantêm fora do radar deles.

Os suricatos, por sua vez, costumam viver em bandos bem organizados e com um eficiente sistema de segurança. Se uma parte do grupo está procurando por comida, sempre vai haver um suricato de guarda em um ponto alto, de olho em tudo. Se estiver tudo tranquilo, ele avisa com um piado baixinho, como quem diz: ‘podem continuar’. Mas, se aparecer um predador, ele solta um alarme barulhento e todos correm rapidamente para buracos de fuga.

Os oceanos, que frequentemente são descritos como um lugar silencioso, na verdade são atravessados por uma sinfonia de sons de diversas espécies. Na água, a luz se propaga mais lentamente e não consegue alcançar regiões mais profundas. Mas o som é quatro vezes mais rápido na água do que no ar e, nas condições certas, pode atravessar mares inteiros e fornecer informações sobre tudo. Por isso, o som é uma das melhores formas de comunicação dentro da água.

Uma parte grande desses sons é inaudível para nós, por estar na região do ultrassom (frequência mais alta do que a que escutamos) ou do infrassom (frequência mais baixa do que a que ouvimos). Mas temos tecnologias para captar esses sons e estudá-los.

Os peixes, por exemplo, são praticamente um ouvido gigante, sensível a qualquer variação de pressão. Eles possuem um órgão sensorial chamado de linha lateral, uma fileira de sensores ao longo do corpo que detecta as menores movimentações, vibrações e variações de pressão na água. Além disso, possuem, dentro da cabeça, estruturas chamadas otólitos, que são como pedrinhas (de carbonato de cálcio) sensíveis ao som. Quando uma vibração passa pelo corpo do peixe, esses otólitos se mexem e isso gera sinais que são interpretados pelo cérebro. Assim, mesmo no escuro total, o peixe sabe de tudo que está ao seu redor.

Os exemplos são numerosos. Poderíamos falar também dos elefantes, que se comunicam entre si pelo solo, transmitindo ondas sísmicas ao pisar no chão e detectando as vibrações que chegam; dos sapos fêmeas, que inflam seus pulmões para abafar sons indesejados emitidos por outras espécies de sapos; dos grilos, que fazem buracos em folhas e a utilizam como um megafone para amplificar seu canto. Poderíamos falar até mesmo de algumas flores, que, ao ‘ouvirem’ o zumbido das abelhas, aumentam a concentração de açúcar no néctar para atrair mais visitantes.

Desafios da comunicação acústica

Diante de todos esses exemplos, fica muito evidente que a vocalização dos animais está diretamente relacionada à sua sobrevivência e perpetuação. Por isso, as características conservadas nas espécies foram aquelas que contribuem para uma maior eficiência na comunicação.

Comunicar-se de forma eficaz na natureza por meio do som está longe de ser algo simples e enfrenta três grandes desafios: o da transmissão, o da semântica e o da efetividade.

O primeiro problema é o da transmissão: o som precisa chegar ao seu destino sem distorções. O meio exerce grande influência na propagação do som, podendo enfraquecê-lo, desviá-lo ou causar distorções. Obstáculos físicos (como árvores, prédios e montanhas) e fatores climáticos (como vento, temperatura e umidade) afetam a propagação sonora. Além disso, outros ruídos (naturais ou artificiais) podem causar interferências, tornando a transmissão imprecisa.

Um exemplo é o canto de aves em áreas urbanas: muitas aves têm que mudar a frequência de suas vocalizações para que estas não sejam mascaradas pelo barulho constante do trânsito. Esse tipo de ruído interfere na clareza da mensagem e pode afetar diretamente o sucesso da comunicação.

Se o desafio da transmissão é superado, surge outro: a semântica. Quem recebe o som precisa entender a sua mensagem. Um sinal pode ser transmitido com clareza, mas se for confundido com outro acusticamente parecido, o resultado é falho.

Em ambientes com alta diversidade de espécies, esse problema se torna maior. Por isso, muitos animais desenvolveram vocalizações altamente distintas para evitar sobreposição com os sons de outras espécies. É o caso de algumas aves que alteram seu repertório vocal ou a hora em que cantam para evitar interferência de espécies similares — uma forma de criar uma separação no ‘espaço acústico’.

Por fim, o último desafio da comunicação acústica é a efetividade: a mensagem precisa provocar a resposta desejada. Em outras palavras, não basta que o som chegue limpo e que seja compreendido, ele precisa gerar uma ação. Por exemplo, se um suricato der um grito de alerta avisando todo o grupo, de nada vai adiantar se isso não provocar rapidamente uma resposta de fuga nos demais suricatos.

Quando um animal não tem uma resposta rápida e correta a uma comunicação, ele pode morrer, ou perder uma chance de procriar ou de se alimentar, e a tendência é que esse animal morra mais rápido e não deixe descendentes. Por isso, a seleção natural faz com que a comunicação entre os animais fique mais eficiente com o tempo, pois os que mais se perpetuam são aqueles cuja comunicação consegue superar esses três desafios.

A orquestra animal

No mundo animal, há uma verdadeira disputa pelo espaço acústico. Espécies de pequeno porte (que tendem a ser mais numerosas) enfrentam uma competição maior para serem ouvidas. Isso leva à diversificação de frequências, padrões rítmicos e horários das vocalizações.

No livro A grande orquestra animal, publicado em 2012, o músico e ecologista Bernie Krause apresenta sua teoria dos nichos acústicos. Após realizar diversas gravações em campo, o pesquisador percebeu que os sons produzidos pelos animais eram quase como uma orquestra: cada espécie parecia estar cantando dentro de uma região de frequências bem definida e uma não invadia o espaço sonoro da outra.

Segundo essa teoria, cada espécie encontra seu ‘lugar’ no espectro sonoro para evitar confusões e propiciar uma comunicação efetiva. Krause apelidou essas paisagens sonoras de ‘biofonia’ e também cunhou outros dois termos: a antropofonia (sons produzidos pelo ser humano) e a geofonia (sons originados por processos naturais como ventos, chuva e trovões).

A separação dos sons se dá tanto pela frequência, pela intensidade e pelo timbre dos sons, como também pelo tempo: espécies noturnas, como corujas e sapos, não competem diretamente com as diurnas, como canários ou bem-te-vis, por exemplo.

Poluição sonora

O som também pode ser prejudicial para as espécies na natureza, tanto em ambientes aquáticos quanto terrestres. A poluição sonora causada por navios, sonares militares, construções submarinas e exploração de petróleo têm invadido o oceano com ruídos artificiais que mascaram os sons naturais. Baleias, golfinhos e peixes que dependem da audição para se orientar, encontrar alimento ou se reproduzir podem se desorientar, ficar estressados ou até abandonar regiões. Sons intensos chegam a causar danos físicos em algumas espécies marinhas, como a ruptura de tecidos auditivos ou alterações hormonais.

Em terra firme, o impacto não é menor. Aves que precisam cantar para atrair parceiros são forçadas a mudar sua frequência ou volume, nem sempre com sucesso. Insetos polinizadores podem perder sua rota. Mamíferos que usam sons para se alertar sobre predadores enfrentam interferências perigosas. E, como vimos, se a mensagem não for clara, compreendida e eficaz, o risco é a morte – individual e até mesmo populacional.

Mais do que perturbações momentâneas, a poluição sonora representa uma erosão invisível da biodiversidade. Ela desorganiza ecossistemas, reduz o sucesso reprodutivo de espécies e pode levar a desequilíbrios duradouros. Em casos extremos, espécies podem abandonar hábitats ruidosos, buscando áreas mais silenciosas, o que pode levar à fragmentação de populações e perda de biodiversidade.

Por isso, muitos países têm criado (ou atualizado) regulamentações para o ruído, especialmente o subaquático, por meio da criação de áreas marinhas protegidas (onde o tráfego é restringido), do desenvolvimento de tecnologias mais silenciosas, da redução da velocidade de embarcações e do financiamento de pesquisas para desenvolvimento de ciência e tecnologia.

Compreender os sons da natureza e seu papel vital é, por fim, um convite à responsabilidade. Cada bioma possui sua própria paisagem sonora, uma orquestra natural onde cada espécie tem seu lugar e sua voz. E proteger o ambiente sonoro é, também, proteger a vida que dele depende.

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