Físico e divulgador de ciência no canal Ciência Nerd
Universidade Federal de Juiz de Fora

Usada como arma ou defesa por heróis e vilões, essa poderosa força da natureza, capaz de desencadear efeitos físicos e psicológicos nas pessoas, está por trás do desenvolvimento de produtos, processos e tecnologias em diversas áreas da ciência

CRÉDITO: DIVULGAÇÃO

A vigilante Canário Negro, da DC Comics, é famosa por seu grito

Você já se perguntou se realmente é possível quebrar um copo com a voz? Ou se um grito muito alto poderia desmaiar uma pessoa ou servir como arma? Será que o som pode ser usado para atacar, se defender ou, pelo menos, confundir e atordoar inimigos, assim como em quadrinhos e filmes de super-heróis?

Tudo isso parece fantasia, sem qualquer ligação com a realidade. Mas a verdade é que existem fenômenos científicos reais por trás desses poderes (às vezes, exagerados), além de tecnologias incríveis inspiradas no poder das ondas sonoras.

Para descobrirmos quais superpoderes fazem algum sentido científico, ou até mesmo já existem na forma de tecnologias, precisamos primeiro saber: o que é, afinal, o som?

A física do som

Imagine uma pedra caindo em um lago calmo. Assim que ela toca a água, ouvimos um barulho – ‘ploc’ – e círculos começam a se formar e se espalhar, ficando cada vez mais distantes do ponto de impacto. Esses círculos são ondas, ou seja, são perturbações na água que carregam energia e fazem a água oscilar para cima e para baixo.

Assim como essa perturbação na água, o som também é uma onda mecânica que se propaga no ar ou em outros meios. Quando você bate palmas, por exemplo, suas mãos comprimem o ar entre elas, criando uma pequena onda de pressão. Essa onda viaja em todas as direções, fazendo moléculas de ar vibrarem e colidirem umas contra as outras. Ao chegar aos seus ouvidos, a onda sonora faz seu tímpano vibrar e essa vibração é transformada em sinais elétricos, que seu cérebro interpreta como som. 

A oscilação provocada por uma onda se repete em ciclos, como o sobe e desce da onda no mar. A quantidade de vezes que esses ciclos se repetem a cada segundo é chamada de frequência. Quanto maior a frequência do som, mais agudo ele é. Um gato, por exemplo, emite sons com frequências mais altas (mais agudos), enquanto um leão produz sons com frequências mais baixas (mais graves). 

Outra característica importante do som é a sua intensidade, que tem relação com a energia que ele carrega. Se você está na natureza e ouve um som bem fraco de um sapo coaxando, você conclui que ele provavelmente está longe. Se, por outro lado, você ouve o latido muito alto de um cão, ele deve estar próximo de você.

A intensidade sonora também nos ajuda a ter uma ideia da quantidade de indivíduos que estão produzindo aquele som. Se, em vez de um sapo coaxando, houvesse vários, o barulho certamente seria bem mais alto.

Superpoderes sonoros na cultura pop

Diversos personagens usam o som como poder, seja para atacar, para se defender ou até para manipular seus oponentes. Quando se trata do uso ofensivo do som, um ótimo exemplo na ficção é o mutante Banshee, da Marvel Comics. Seu grito é tão poderoso que pode quebrar estruturas, desorientar inimigos e até permitir que ele voe, só com a força da própria voz. Já o Garra Sônica, inimigo do Pantera Negra, também da Marvel, usa um dispositivo capaz de emitir ondas sonoras fortes o suficiente para desintegrar metais.

No universo da DC Comics, a vigilante Canário Negro é famosa por seu ‘grito do canário’, um ataque vocal devastador que pode derrubar inimigos e estilhaçar vidros. Em Harry Potter, existem as famosas mandrágoras, plantas com forma de bebê que, quando retiradas do solo onde estão plantadas, emitem gritos tão potentes que podem deixar uma pessoa inconsciente ou até matar.

Em animes e mangás, o som também é um recurso de batalha poderoso. Em One Piece, o vilão El Drago usa seu grito como arma, lançando ondas de choque sonoras capazes de destruir tudo ao seu redor.

Esses superpoderes podem parecer muito exagerados. Mas o som realmente pode fazer algumas dessas coisas (ver ‘Grau de realismo de superpoderes sonoros de ataque’).

Você já deve ter visto em algum filme a cena clássica de uma cantora de ópera quebrando uma taça de vidro só com a voz. Isso é possível graças a um fenômeno chamado ressonância. 

Todo objeto tem uma frequência natural de vibração, como se fosse sua ‘nota musical’ própria. Quando alguém toca a primeira corda (de cima para baixo) de um violão afinado, ela emite uma nota ‘mi’ (com cerca de 82 hz). Se você colocar dois violões frente a frente e tocar a corda ‘mi’ de um deles, a mesma corda do outro violão começará a vibrar também. Isso acontece porque o som produzido pelo primeiro violão se propaga pelo ar e atinge o segundo violão com a frequência exata da corda ‘mi’, o que faz com que ela comece a oscilar também (e com cada vez mais energia e intensidade).

Assim, se uma taça é atravessada por um som de frequência igual à frequência natural do vidro (com potência suficiente e durante tempo suficiente), o som faz com que ela oscile cada vez mais até se quebrar.

Poderíamos utilizar o mesmo raciocínio para dizer que o som seria capaz de quebrar também estruturas por meio da ressonância. Mas isso exigiria tanta energia que não seria nada prático.

No mundo real, existem também as armas sônicas, embora seu uso seja bastante criticado. Quando utilizados contra pessoas, os canhões de som podem causar dores, danos irreversíveis à audição, tontura, fraqueza e até efeitos psicológicos.

Apesar de os superpoderes sonoros serem mais utilizados como armas na ficção, podemos pensar também em alguns poderes com finalidade defensiva ou tática, como o voo e a localização por meio de ondas sonoras e a comunicação a distância com frequências especiais. Alguns desses poderes são puramente fictícios, mas outros podem inclusive ser vistos na prática no nosso dia a dia (ver ‘Grau de realismo de poderes sonoros defensivos ou táticos’)

Superpoderes sonoros na ciência

Diversas propriedades do som têm sido usadas no desenvolvimento de produtos, processos e tecnologias com aplicações nas mais variadas áreas da ciência.

Existe um fenômeno chamado cavitação acústica, por exemplo, que ocorre quando ondas de ultrassom (sons com frequência acima de 20 mil oscilações por segundo) passam por um líquido, geralmente água. Quando essas ondas se propagam, elas criam regiões alternadas de compressão (onde a pressão aumenta) e rarefação (onde a pressão diminui).

Durante as fases de baixa pressão, o líquido não consegue mais ‘segurar’ sua própria coesão, e pequenas bolhas de vapor começam a se formar – como se o líquido estivesse fervendo localmente. Essas bolhas não são estáveis; elas crescem, vibram e oscilam violentamente com cada ciclo da onda sonora.

Em certo ponto, essas bolhas implodem rapidamente, liberando uma quantidade imensa de energia em uma área minúscula. Quando isso acontece, a temperatura pode chegar a milhares de graus Celsius (comparável à temperatura da superfície do Sol) e a pressão local pode passar de 2 mil atmosferas (equivalente a uma pressão de 20 Km de profundidade dentro do mar).

Como consequência, ondas de choque capazes de afetar partículas e estruturas ao seu redor são liberadas em todas as direções. Microjatos de líquido surgem quando a bolha implode perto de uma superfície sólida, lançando jatos em alta velocidade que podem desgastar ou até perfurar materiais.

Fisicamente, os efeitos da cavitação são tão intensos que já estão sendo aplicados na limpeza de superfícies, extração de substâncias e criação de emulsões, como as usadas na indústria do petróleo ou na produção de alimentos. Em vez de misturar líquidos à força com hélices e motores, o ultrassom faz isso de forma mais eficiente. 

Quimicamente, a implosão das bolhas gera tanta energia que é capaz de quebrar moléculas e acelerar reações – um campo da ciência chamado sonoquímica. Com isso, cientistas conseguem produzir novos compostos, degradar poluentes e até gerar radicais livres de forma controlada.

Biologicamente, a cavitação também está revolucionando a medicina. Um exemplo é a sonoporação, técnica que usa o ultrassom para abrir microcanais nas células, facilitando a entrada de medicamentos ou material genético. Essa estratégia tem sido testada com sucesso para melhorar o tratamento de doenças e criar formas mais eficientes de entrega de fármacos no corpo. As ondas de choque geradas também podem, por exemplo, ser usadas para destruir cálculos renais.

O som também pode ser usado para ‘enxergar’ o que os olhos não veem. É o caso do sonar, tecnologia inspirada na ecolocalização de animais e muito utilizada em navios e submarinos. Ela se baseia na emissão de pulsos sonoros que viajam pela água, refletem nos objetos e retornam. Com base no tempo que a onda sonora levou para retornar e nas suas características é possível mapear o ambiente, detectar obstáculos ou localizar objetos submersos. Similar ao sonar, a ultrassonografia usa ondas de ultrassom para gerar imagens do interior do corpo humano, permitindo ver fetos, órgãos e tecidos de forma não invasiva e segura.

Poder destrutivo do som na saúde humana

Mas o som também pode trazer prejuízos para a saúde. O que acontece quando somos expostos ao barulho durante muito tempo? A resposta mais comum é a perda da audição. Acontece que os efeitos negativos do som vão muito além de seus danos ao ouvido.

São inúmeros os estudos científicos que mostram que o ruído excessivo pode desencadear no organismo respostas físicas, químicas e até psicológicas. O tamanho desses efeitos depende da frequência do som, da intensidade (volume), do tempo de exposição, do ritmo do som e da suscetibilidade individual.

Entre os efeitos fisiológicos, os principais são os distúrbios do sono, com alterações no ciclo REM, despertares frequentes e dificuldade para adormecer, resultando em cansaço, irritabilidade e baixa concentração no dia seguinte. O sono pode ser impactado por ruídos escutados horas antes de dormir.

O sistema digestivo também sofre: náuseas, gastrites e até úlceras podem surgir devido ao estresse provocado pelo som. O sistema cardiovascular pode responder com aceleração dos batimentos, hipertensão, alterações hormonais e vasoconstrição. Distúrbios hormonais relacionados ao aumento de adrenalina e cortisol também são observados, podendo levar a desequilíbrios metabólicos e sexuais.

A exposição excessiva a ruídos também pode provocar efeitos neurológicos, que incluem tremores, alterações visuais, epilepsia, mudanças na percepção das cores, tonturas, vertigens e desequilíbrio. 

Na dimensão comportamental, são várias as pesquisas que mostram efeitos como: falta de atenção, ansiedade, estresse, depressão, fadiga e queda da libido. Níveis mais intensos de ruído podem desencadear até agressividade e violência. 

O ruído também interfere no desempenho profissional, reduzindo a concentração, a habilidade manual, a produtividade e a comunicação, além de aumentar o risco de acidentes.

Em resumo, está mais do que demonstrado que o som é uma força poderosa da natureza, que move desde emoções até tecnologias de ponta. Ele pode comunicar, transformar a matéria, diagnosticar e curar doenças (mas também causar tantas outras) e até inspirar superpoderes. Ao entendermos melhor como as ondas sonoras funcionam, abrimos portas para inovações científicas e aplicações criativas que antes só existiam na ficção. Quem sabe mais alguns dos superpoderes sonoros da ficção se tornem realidade no futuro?

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