Transplante de ilhotas: uma alternativa atraente para diabéticos

                           

Tecido interno do pâncreas, visto em microscópio (aumento de 100 x), mostrando uma ilhota (com as células beta coradas em vermelho) no meio das células acinares, tecido que produz hormônios digestivos

Os diabéticos que dependem de injeções freqüentes de insulina ganharam, há pouco mais de 10 anos, uma nova esperança em sua luta contra essa grave doença. Trata-se do transplante de ilhotas pancreáticas, como são chamados os conjuntos de células que produzem insulina no pâncreas sadio.

O êxito desse transplante depende do adequado isolamento e purificação de ilhotas de pâncreas de doadores e de outras técnicas que pesquisadores brasileiros já dominam. Com base nesses estudos, já foram realizados os primeiros transplantes experimentais de ilhotas no país, com ótimos resultados.

Uma das doenças mais disseminadas no mundo atual é o diabetes melito. Esse nome abrange um grupo heterogêneo de doenças que apresentam, como característica comum, a presença no sangue de níveis elevados de glicose (açúcar), o que leva a distúrbios no metabolismo de carboidratos, gorduras e proteínas. O excesso de açúcar no sangue (hiperglicemia) deve-se à produção nula ou insuficiente do hormônio insulina pelo organismo, à ação deficiente desse hormônio ou a ambas.

A insulina é um hormônio produzido por células especializadas, as células beta, reunidas em pequenos agregados, no pâncreas — as chamadas ilhotas pancreáticas, ou ilhotas de Langerhans, nome que homenageia o médico alemão Paul Langerhans (1847-1888), que as descobriu em 1869.

Esses agregados celulares representam de 1% a 2% do tecido pancreático (os restantes 98% a 99% correspondem ao chamado pâncreas exócrino, composto de glândulas produtoras de enzimas digestivas). A principal função da insulina é permitir a entrada da glicose nas células, em especial as musculares, adiposas (de gordura) e hepáticas (do fígado), reduzindo a concentração desse açúcar no sangue e permitindo que os tecidos o utilizem para seu metabolismo básico.

O número estimado de diabéticos no mundo é de 170 milhões. A projeção para o ano 2025 é de que esse mal atinja 300 milhões de pessoas, principalmente em função do crescimento e envelhecimento da população, da obesidade e de outros fatores, como hábitos alimentares inadequados e sedentarismo. No Brasil, existiam cerca de 5 milhões de diabéticos em 1996, segundo estimativas do Ministério da Saúde.

Os diabéticos, em sua grande maioria, são classificados como portadores do tipo 1 ou do tipo 2 da doença. A diferença básica entre esses dois tipos está na ausência total ou quase total de insulina (tipo 1) ou na produção e/ou atuação insuficiente desta (tipo 2).

O diabetes melito do tipo 2, que surge em geral após os 40 anos, apresenta um importante caráter hereditário. Estima-se que mais de 90% dos casos de diabetes sejam do tipo 2, e que essa forma seja a principal responsável pelo aumento quase epidêmico do número de portadores no mundo atual, em especial por estar associada à obesidade e ao sedentarismo.

De início, a maior parte dos pacientes do diabetes do tipo 2 apresenta redução do efeito da insulina em seus ‘alvos’ (os tecidos muscular e adiposo): eles ainda a produzem, mas em quantidade insuficiente para a demanda diária. Por isso, a maioria não precisa ser tratada com insulina. Os níveis glicêmicos podem ser normalizados com atividade física regular, controle do peso e medicação oral (que aumente a sensibilidade dos tecidos à insulina ou a produção desta).

Já o diabetes melito do tipo 1, que em geral começa na infância ou adolescência (e por isso já foi chamado de ‘diabetes juvenil’), caracteriza-se pela ausência quase total de produção de insulina, com elevação mais súbita da glicemia. Sem a insulina, as células não conseguem utilizar a glicose para seu metabolismo e passam a suprir sua demanda de energia com gorduras e proteínas, degradando os tecidos adiposo e muscular e causando o drástico emagrecimento dos pacientes.

A produção deficiente de insulina decorre da destruição das células beta das ilhotas pancreáticas. Isso ocorre, na maioria dos casos, por um mecanismo auto-imune, de causa ainda ignorada: os linfócitos T (células que iniciam a resposta imunológica) identificam as células beta como estranhas ao organismo e as atacam e destroem, sem causar dano às demais células das ilhotas. Sabe-se apenas que essa auto-agressão depende de uma interação entre fatores ambientais desconhecidos e uma herança genética que começa a ser desvendada por estudos com famílias de diabéticos.

Para compensar a falta absoluta de insulina, incompatível com a vida, os portadores de diabetes do tipo 1 precisam receber várias aplicações diárias desse hormônio, obtido a partir de pâncreas de outros organismos (porco, boi) ou produzido artificialmente, em bactérias, através de técnicas de engenharia genética e DNA recombinante.

 

Carlos Alberto M. Aita,

Mari Cleide Sogayar

Instituto de Química (Departamento de Bioquímica)

Universidade de São Paulo

e Freddy eliaschewitz

Hospital Israelita Albert Eisentein

 

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