A Amazônia e as mudanças globais

A seca na Amazônia, em 2005, criou uma nova paisagem em inúmeras áreas antes permanentemente cobertas pela água – como esta, próxima a Santerém/PA (foto: Flávya Mutran/Folha Imagem).

Desmatamentos e queimadas na Amazônia podem acelerar processos como o aquecimento global, aumentar a ocorrência de fenômenos climáticos extremos e alterar em larga escala os ciclos da água e de nutrientes, essenciais aos seres vivos. O real papel da floresta amazônica no clima global ainda está sendo investigado pela ciência, mas estudos feitos nos últimos 10 anos revelam que as interações naturais da floresta com a atmosfera são importantes para a regulação de chuvas e do ciclo hidrológico em toda a América do Sul, com reflexos em outras partes do mundo, e que esses e outros processos são alterados por emissões de gases e partículas decorrentes da derrubada sistemática das árvores ou do uso constante do fogo para a limpeza de terrenos, prática comum na região. A região amazônica também sofrerá importantes impactos ambientais decorrentes das mudanças climáticas em curso no planeta, causadas pelo aumento da concentração dos gases de efeito estufa.

A região amazônica exerce um papel importante na manutenção do clima de toda a América do Sul e ainda tem grande influência no clima global. A região é estratégica, em termos climáticos, devido ao imenso estoque de carbono representado pela floresta tropical e às emissões de gases, partículas e vapor d’água para a atmosfera. Apesar disso, a floresta está sendo desmatada a uma taxa extremamente elevada (20 mil a 26 mil km² por ano) e as emissões de gases e partículas associadas às queimadas vêm tendo efeitos significativos sobre o ecossistema amazônico e o clima planetário.

A floresta amazônica possui intrincados mecanismos de funcionamento – que evoluíram durante os últimos milhares de anos – e traz surpresas à medida que a ciência desvenda seus segredos. O Brasil lidera e executa ao longo dos últimos 10 anos um amplo projeto científico internacional, o Experimento de Grande Escala da Biosfera e Atmosfera da Amazônia (LBA, na sigla em inglês), que já elucidou diversos desses importantes mecanismos, reunindo informações cruciais para que o país possa um dia implantar o chamado ‘desenvolvimento sustentável’ na região (ver ‘Amazônia faz check-up’ em CH no 204).

Infelizmente, os recursos naturais que a floresta pode fornecer não têm sido utilizados de maneira adequada, e a pressão da indústria madeireira, da pecuária e da agricultura intensiva está mudando rapidamente a paisagem amazônica. Em geral, a derrubada das árvores para a abertura de novas áreas agrícolas não tem melhorado as condições de vida da população local. Os governos – federal, estaduais e municipais – tentam ordenar o processo de ocupação, mas com resultados muito limitados.

O aquecimento global e outras mudanças climáticas decorrentes das emissões dos chamados gases de ‘efeito estufa’ (porque fazem com que a Terra acumule calor) possivelmente serão as questões mais difíceis que a humanidade terá que enfrentar ao longo deste século. A média do aquecimento global chegou a 0,7°C nos últimos 150 anos e pode aumentar para 4°C a 6°C no final deste século, segundo análises do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas.

Estudos recentes dizem que a década de 1990 foi a mais quente do último milênio e o ano de 2005 o mais quente dos últimos 100 anos. Outros indicadores importantes das mudanças climáticas podem ser o aumento da freqüência de furacões mais intensos no Caribe e no Pacífico e a redução de 40% na espessura da camada de gelo no Ártico e de 10% na área dessa camada no verão. A quantidade de chuvas nos continentes cresceu 7% nos últimos 100 anos, e também ocorreu um aumento da freqüência de eventos extremos (fortes secas ou tempestades), entre muitos outros efeitos.

O forte e rápido aquecimento verificado na superfície da Terra certamente tem conseqüências importantes para a manutenção do funcionamento básico dos ecossistemas que sustentam nosso planeta. Simulações climáticas realizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), através do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, e pelo Centro Europeu de Clima apontam a possibilidade de ‘savanização’ da Amazônia.

Isso significa que uma parte significativa da floresta amazônica poderá dar lugar a uma área de savana, com forte perda de carbono para a atmosfera, o que ampliará o efeito estufa. A Amazônia é uma importante fonte de vapor d’água para a atmosfera, o que será alterado por esse processo de savanização. Em conseqüência, são esperadas mudanças no ciclo hidrológico em regiões distantes da Amazônia.

Paulo Artaxo ( [email protected] )
Instituto de Física,
Universidade de São Paulo.

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