A aventura da física da matéria condensada

Mesmo os criadores de Flash Gordon certamente ficariam surpresos em saber que os relógios de pulso para comunicação de voz e imagem passaram da ficção à realidade em tão pouco tempo. Nem é preciso voltar à década de 1930, quando foi criado esse legendário super-herói intergaláctico dos quadrinhos.
 
Há menos de 30 anos, seria difícil acreditar que nosso dia-a-dia estaria repleto de aparelhos eletrônicos como o telefone celular, o DVD (disco de vídeo digital), a câmera fotográfica digital, o computador pessoal, entre outros. E que a comunicação em escala global seria em alta velocidade, através de ondas de rádio se propagando pelo ar ou da luz viajando por fibras ópticas. E isso, em parte, só foi possível graças às descobertas feitas no campo da física da matéria condensada, área que forma a base científica sobre a qual a tecnologia da eletrônica foi desenvolvida na segunda metade do século passado.
 
Desde tempos imemoriais, diversas propriedades físicas dos materiais já intrigavam a humanidade. Entre as que mais cedo despertaram a curiosidade dos cientistas estão as propriedades ópticas mais evidentes, como a cor, o brilho, a transparência e a opacidade. As propriedades magnéticas presentes em certos materiais também desafiaram os cientistas por séculos. A própria palavra ‘magnetismo’ surgiu na Antigüidade, associada ao fenômeno pelo qual fragmentos de ferro são atraídos pelo imã natural, a magnetita (Fe3O 4 ), um mineral encontrado na natureza. Sua origem está ligada a Magnésia, nome de uma cidade da Turquia antiga que era rica em minério de ferro.
 
Os primeiros relatos de experiências com ‘a força misteriosa’ da magnetita datam de 800 a.C. e são atribuídos aos gregos, povo que também descobriu as propriedades elétricas que certos materiais adquirem ao serem esfregados com tecidos, passando a atrair ou repelir objetos leves, como pedaços de folhas secas e penas de aves. O termo elétrico surgiu de élektron , nome grego para âmbar, uma resina natural dura da qual eram feitos os bastões usados nas experiências de eletrização.
 
Ganhando corpo
As manifestações mais evidentes das propriedades ópticas, elétricas, magnéticas e térmicas dos materiais tornaram-se objeto de estudos sistemáticos a partir do Renascimento. Contudo, só no final do século 19 e no início do século passado, elas começaram a ser compreendidas microscopicamente. Isso se deu em função de desenvolvimentos importantes, cabendo destacar:
 
i) a formulação de teorias apropriadas – mais especificamente, a termodinâmica e a física estatística – para o estudo de sistemas formados por muitos constituintes, como os gases, feita principalmente pelo físico austríaco Ludwig Boltzmann (1844-1906), pelo escocês James Clerk Maxwell (1831-1879) e o norte-americano Josiah Williard Gibbs (1839-1903);
 
ii) a elaboração da tabela periódica dos elementos químicos pelo russo Dimitri Mendeleyev (1834-1907), em 1871;
 
iii) a formulação de uma teoria que unificava os fenômenos elétricos, magnéticos e ópticos – a teoria eletromagnética – por Maxwell, em 1873, a partir das descobertas do físico francês André-Marie Ampère (1775-1936), do dinamarquês Hans Oersted (1777-1851) e o inglês Michael Faraday (1791-1867);
 
iv) a descoberta do elétron pelo inglês Joseph John Thomson (1856-1940) em 1897;
 
v) a elaboração dos primeiros conceitos de quantização – ou seja, o fato de a energia na natureza ser gerada e absorvida em ‘pacotes’ (quantum, no singular) e não como um fluxo contínuo, como se acreditava até então – pelos alemães Max Planck (1858-1947) em 1900 e Albert Einstein (1879-1955) em 1905;
 
vi) o desenvolvimento do modelo do átomo, entre 1909 e 1913, pelo neozelandês Ernest Rutherford (1871-1937), que propôs a existência de um ‘caroço’ central (núcleo), e pelo dinamarquês Niels Bohr (1885-1962), que estabeleceu as regras para explicar como os elétrons giram em torno do núcleo;
 
A formulação da mecânica quântica por Erwin Schrödinger (1887-1961) e Werner Heisenberg (1901-1971) – em meados da década de 1920 – propiciou a ferramenta teórica para explicar e descrever em detalhes as propriedades dos átomos isolados ou agregados na forma de materiais.
 

Esses desenvolvimentos formaram o cenário no qual, a partir das décadas de 1930 e 1940, começou a ganhar corpo a física do estado sólido, a área que investiga as propriedades e os fenômenos que ocorrem em materiais sólidos, como resultado da sistematização das observações e medidas experimentais das propriedades dos materiais e sua interpretação teórica com base nas leis do eletromagnetismo, da mecânica quântica e da física estatística.

Sergio Machado Rezende
Departamento de Física,
Universidade Federal de Pernambuco.

Você leu apenas a introdução do artigo publicado na CH 218.
Clique no ícone a seguir para baixar a versão integral (302 KB) Arquivo de formato PDF. Pode ser aberto com o Adobe Acrobat Reader. Baixe gratuitamente de http://www.adobe.com/  
Leia outros artigos da série sobre o Ano Internacional da Física .

 

 

Outros conteúdos desta edição

Outros conteúdos nesta categoria

614_256 att-22975
614_256 att-22985
614_256 att-22993
614_256 att-22995
614_256 att-22987
614_256 att-22991
614_256 att-22989
614_256 att-22999
614_256 att-22983
614_256 att-22997
614_256 att-22963
614_256 att-22937
614_256 att-22931
614_256 att-22965
614_256 att-23039