As principais empresas que atuam na área de sequenciamento de DNA prevêem para 2013 a realização do genoma inteiro dos humanos em apenas três minutos. Esse número impressiona se considerarmos que o genoma humano publicado em 2001 consumiu cerca de 10 anos de trabalho intenso, envolvendo muitos laboratórios nessa empreitada. Assim, dentro de talvez mais uma década, teremos aumentado em milhões de vezes a eficiência e a rapidez do processo e diminuído em ordem de grandeza semelhante o custo dessas análises.

Tal perspectiva valida alguns filmes de ficção científica, como, por exemplo, o presciente GATACA, cujo enredo focava a realização instantânea da identificação genômica de empregados de uma agência espacial e as implicações que tal análise teria para a sociedade.

Neste momento, o poder informativo dos resultados já existentes sobre os genomas de diversas espécies é de tal monta que definitivamente há mais dados disponíveis do que interpretações. A inundação de resultados vai ocupar os cientistas por muito tempo, mas já há algumas indagações interessantes. Uma preocupação que agora preenche a mente de muitos grupos experimentais é a busca do que nos torna humanos, do ponto de vista do DNA. É uma pergunta instigante, para a qual, infelizmente, ainda não há uma resposta precisa.

Chimpanzé no zoológico de Leipzig, na Alemanha (foto: Thomas Lersch/ Wikimedia Commons).

Esperava-se que a comparação entre o genoma humano e o do chimpanzé, a espécie mais próxima de nós, revelasse qual é a assinatura genômica dos humanos. Como os genomas são muito parecidos, as relativamente poucas diferenças seriam fáceis de detectar. Com essa informação, seria possível então determinar quais genes estariam funcionalmente envolvidos e deduzir como é o processo bioquímico de humanização. Entretanto, entre as pistas levantadas, somente algumas diferenças notáveis surgiram como possíveis responsáveis pela diferença entre chimpanzés e o Homo sapiens.

Aqui um gene associado à linguagem, ali outro gene que pode ter determinado o volume do cérebro, acolá um gene com mais cópias nos humanos do que nos chimpanzés e também um RNA que parece ter evoluído mais rapidamente que outros, além de mais um punhado de candidatos ao papel de diferenciador-mestre. Segue o mistério, portanto.

A missão de encontrar o gene humanizador com base em simples diferenças vai ficar ainda mais difícil, segundo os cientistas, porque nós, humanos, acumulamos ao longo do tempo muitas mutações que introduzem no genoma sequências distintas dos outros primatas, mas que não teriam contribuído positivamente para a evolução da espécie. Essas mutações teriam sido preservadas graças à cultura. Isto é, tendo adotado o uso de roupas, abrigos e ferramentas, o H. sapiens teria conseguido afrouxar a intensidade da pressão seletiva e estaria menos susceptível aos controles normalmente impostos pelo ambiente sobre as outras espécies.

Se um gene escapa dessa pressão, ele pode começar a acumular mutações que somente são toleradas porque não afetam a sobrevivência do indivíduo e acabam sendo transmitidas para os descendentes. Em outras espécies, as mutações deletérias teriam sido eliminadas ao longo das gerações. Assim, a simples comparação entre as sequências de DNA de chimpanzés e humanos pode estar apenas destacando diferenças que não necessariamente apontarão quais estão diretamente correlacionadas com as trajetórias evolutivas individuais.

Mas, pensando bem, tal busca pode ser igualada à tentativa que de fato ocorreu no passado para descobrir que diferenças havia entre o cérebro de Einstein e dos outros mortais. Essa pesquisa limitou-se a características anatômicas e, é claro, não foi, nem poderia ter sido, conclusiva. Mesmo que o genoma de Einstein fosse comparado ao de outras pessoas, dificilmente se encontraria nele um gene diferente ou mais expresso que os demais.

Seguramente o que distingue os cérebros privilegiados dos gênios é a associação que ocorre entre os seus neurônios. De forma análoga, o que talvez valha a pena investigar entre chimpanzés e humanos é como se dá a associação entre os genes nas duas espécies. Essa é uma tarefa monumental, mas, assim como o sequenciamento de DNA progrediu, podemos imaginar que os futuros informatas elaborarão programas que consigam finalmente decifrar o enigma. 

Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
franklin@bioqmed.ufrj.br

 

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