Falha no ‘radar’ dos cetáceos?

Pergunta enviada por Demétrio, por correio eletrônico.

Tal questão vem há tempos intrigando os pesquisadores. Estima-se que, no mundo, mais de 300 mil cetáceos – ordem a que pertencem os golfinhos – sejam capturados acidentalmente em redes de pesca todo ano. Estudos mostram que eles são capazes de detectar objetos muito pequenos a muitos metros de distância. Mas por que, então, não detectariam as redes?

Existem algumas prováveis explicações. Primeiramente, sabe-se que, quando navegam no vasto oceano, não existe a necessidade constante de usar a ecolocalização, a menos que estejam procurando por comida. Assim, se existe uma rede no caminho, eles talvez não a detectem por não estarem usando seu sofisticado sistema de navegação a todo instante. Essa seria uma das possíveis explicações.

Sabe-se, também, que os cetáceos conseguem usar a ecolocalização para fazer uma varredura geral do ambiente ao seu redor – eles criam assim um mapa cerebral da área. Mas essa varredura acontece em um pequeno intervalo de tempo, após o qual eles deixam de usar esse sistema acústico de orientação. Seria algo como caminharmos no escuro dentro de nossa própria casa, onde já conhecemos a disposição dos móveis. Mas todos sabem o que acontece se alguém coloca uma cadeira ou outro objeto inadvertidamente em um lugar não usual.

Golfinhos podem ser atraídos pelos próprios peixes capturados nas redes

Uma terceira possível explicação tem a ver com o material com que são tecidas as redes. Trata-se do monofilamento de náilon, um material plástico translúcido que possui uma impedância acústica – que é a resistência ou dificuldade que um material oferece à passagem do som – muito parecida com a da água. Ou seja, as redes não refletem adequadamente os sinais acústicos. É como se elas fossem interpretadas pelos cetáceos como água.

Há outros fatores que influem nesse problema. Por exemplo, golfinhos podem ser atraídos pelos próprios peixes capturados nas redes. Também o ruído ambiental e a própria posição da rede podem interferir nos sistemas de ecolocalização: se a rede estiver inclinada, devido ao movimento do mar, o ângulo de incidência do som e do eco pode não ser favorável para a detecção por parte do animal. 

Mesmo que eles detectem pontualmente os nós, as chumbadas, os peixes ou demais objetos presos, as redes parecem não ser percebidas pelos golfinhos como uma barreira real, como obstáculo único e contínuo. Pois há uma grande diferença entre detectar um objeto e perceber seu significado. Existem tentativas de se colocar mecanismos refletivos, alarmes acústicos ou mesmo alterar a impedância das redes por acréscimo de substâncias como o sulfato de bário. Mas nenhuma dessas alternativas parece aumentar significativamente a resposta de detecção dos golfinhos.

 

Lilian Sander Hoffmann
Museu de Ciências Naturais
Fundação Zoobotânica do Estado do Rio Grande do Sul

Texto originalmente publicado na CH 318 (setembro de 2014). Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista.

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