A origem da vida na Terra é uma questão ainda em aberto. A formação da crosta terrestre, segundo estudos geológicos recentes, ocorreu há cerca de 4,4 bilhões de anos – ou seja, 160 milhões de anos após a formação de nosso planeta. Antes, a Terra era provavelmente estéril, pois sua superfície era formada por rochas em fusão.

No entanto, sabemos que, há cerca de 3,5 bilhões de anos, já havia na Terra primitiva atividade de organismos unicelulares (cianobactérias), como atestam estruturas sedimentares de origem orgânica (os chamados estromatólitos) encontradas, por exemplo, na Austrália.

Sabemos que, há cerca de 3,5 bilhões de anos, já havia na Terra primitiva atividade de organismos unicelulares (cianobactérias)

Vários processos químicos antecederam a vida unicelular. Primeiramente, foi preciso que ingredientes químicos básicos (metano, amônia, sulfeto de hidrogênio, monóxido e dióxido de carbono, fosfatos e água) formassem compostos de interesse biológico, como os monômeros, e que estes dessem origem aos aminoácidos, que são estruturas básicas das proteínas, moléculas essenciais para a vida.

Em uma segunda etapa, os monômeros teriam produzido gorduras (lipídios e fosfolipídios) que formam a membrana celular. Posteriormente, em fases mais avançadas, moléculas de ácido ribonucleico (RNA) seriam formadas, permitindo a síntese de proteínas. Ao surgir, o RNA agia como um catalisador, enquanto, nas fases ainda mais avançadas do processo, passou a servir ao genoma e ao processo de autorreprodução. 

A transição entre etapas puramente químicas e o surgimento de uma estrutura molecular complexa com capacidade de replicação – e, posteriormente, a seres unicelulares – foi um processo complexo cujas etapas são ainda desconhecidas.

Panspermia 

Qual a origem das moléculas orgânicas que são a base do fenômeno da vida?

Uma primeira resposta sugere que aminoácidos poderiam ter sido criados a partir de moléculas presentes na atmosfera terrestre expostas à radiação ultravioleta e a descargas elétricas, como sugeriu um experimento clássico ainda na década de 1950. Mais recentemente, tem-se especulado que as fontes geotermais submarinas poderiam ter sido a origem desses processos químicos.

Cometa
Há aproximadamente 3,8 bilhões de anos, a Terra sofreu um importante ‘bombardeio’ de cometas e meteoritos que podem ter sido responsáveis pela presença de parte significativa da água do planeta, essencial para a vida. (imagem: Nasa)

Outra possibilidade, no entanto, é a origem extraterrestre desses componentes.  No início do século passado, o químico sueco Svante Arrhenius (1859-1927) propôs a teoria da panspermia: a vida teria se desenvolvido fora da Terra e aqui chegado sob a forma de esporos. Essa teoria – inicialmente abandonada – foi retomada por dois astrofísicos, o britânico Fred Hoyle (1915-2001) e o cingalês Nalin Wickramasinghe, na década de 1970, que passaram a defender que compostos orgânicos necessários para o aparecimento da vida foram trazidos para a Terra por cometas que colidiram com nosso planeta.

Em 2004, a sonda espacial Stardust coletou material da cauda do cometa P/Wild, e sua análise mostrou a presença de glicina (aminoácido presente em proteínas), bem como compostos à base de dois elementos essenciais à vida como a conhecemos, nitrogênio e carbono. O meteorito Murchison, que caiu na Austrália em 28 de setembro de 1969, apresentou, em sua análise química, um conteúdo orgânico ainda mais surpreendente: cerca de 70 tipos de moléculas, muitas delas, como adenina, guanina, uracilo e purinas, essenciais para a constituição das duas moléculas do material genético, o RNA e o DNA.

Contaminação? 

Observações radioastronômicas indicam a presença de moléculas orgânicas com 10 ou mais átomos (por exemplo, benzeno, butanona e cianeto de propila) em regiões densas do meio interestelar, onde se formam estrelas, planetas, cometas e asteroides.

Sabemos que a formação dessas moléculas ocorre necessariamente na presença de grãos de poeira interestelar, encontrados também em discos protoplanetários, ou seja, aqueles que darão origem a planetas. Um desses discos foi detectado pelo telescópio espacial norte-americano Hubble em torno da estrela Fomalhaut, distante 25 anos-luz do sistema solar – cada ano-luz equivale à distância de 9,5 trilhões de quilômetros. Mais recentemente, o telescópio espacial europeu Herschel detectou, na mesma estrela, um anel brilhante (figura 2) que os pesquisadores interpretam como sendo constituído por cometas.

Poderia a Terra primitiva ter sido ‘contaminada’ por cometas e/ou meteoritos, portadores dos ‘tijolos’ que constituem a base da vida – como, por exemplo, os aminoácidos?

Esses fatos levantam uma questão: poderia a Terra primitiva ter sido ‘contaminada’ por cometas e/ou meteoritos, portadores dos ‘tijolos’ que constituem a base da vida – como, por exemplo, os aminoácidos?

Há aproximadamente 3,8 bilhões de anos, a Terra sofreu um importante ‘bombardeio’ de cometas e meteoritos. Diferentemente do que ocorreu na Lua, onde as crateras são ainda visíveis, o processo de erosão na Terra deixou poucos traços dessas colisões. 

As causas desse bombardeio foram estudadas pelo grupo do Observatório da Côte d’Azur (OCA), liderado pelo astrônomo italiano Alessandro Morbidelli. Constatou-se que elas estão ligadas a instabilidades dinâmicas do sistema solar ainda em fase de formação, o que teria posto asteroides em rota de colisão com os planetas internos e rochosos – a Terra é um deles. 

As simulações desse mesmo grupo francês ainda indicam que esses corpos são responsáveis por parte significativa da água presente na Terra – hipótese sustentada pela mesma abundância do deutério (hidrogênio ‘pesado’) observada nesses corpos e nos oceanos terrestres.

Podemos, então, imaginar que as moléculas orgânicas formadas nas nuvens interestelares densas estivessem presentes na composição química dos cometas e asteroides que colidiram com a Terra. Com condições físicas adequadas, essas moléculas poderiam ter dado origem a compostos mais complexos que estão na base da formação das duas moléculas da vida, o RNA e o DNA.

Você leu apenas o início do artigo publicado na CH 318. Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista e ler o texto completo.

José Antônio de Freitas Pacheco
Observatório da Côte d’Azur
Universidade de Nice Sophia-Antipolis (França)

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