Apesar de ser uma tarefa do dia a dia, cozinhar requer muita atenção e experiência. Mesmo para os profissionais da arte culinária, estar atento a todas as atividades que uma cozinha requer ao mesmo tempo é um trabalho exaustivo.
Talvez você já tenha passado por essa dificuldade: ao preparar uma feijoada para aquele almoço especial de domingo – do qual participariam vários convidados importantes –, você errou na mão e a feijoada ficou muito salgada. E então?
Nessas horas, bate aquele desespero, e a situação embaraçosa faz surgir a seguinte dúvida: dá para retirar o excesso de sal?
Duas ideias iniciais
Retirar o excesso de sal de uma mistura aquosa, como uma feijoada, não é uma tarefa das mais simples. Talvez nem um chef possa ajudar nessas horas. Mas um químico, sim! Vejamos.
A separação de misturas é uma tarefa das mais complexas enfrentadas pelos químicos – principalmente, quando a tal mistura contém vários ingredientes, como num alimento. Porém, como diz o ditado, “todo químico tem uma solução”.
A estratégia, no caso, é retirar apenas o sal e deixar os demais ingredientes que dão sabor à feijoada. A primeira ideia seria acrescentar mais água, diminuindo a concentração de sal. Em princípio, isso resolve o problema do sal, mas cria outro: a concentração da gordura dissolvida no caldo também diminui, e a feijoada se torna muito fraca de sabor.
Uma segunda alternativa – bem difundida entre cozinheiros experientes – é colocar batatas para cozinhar dentro da feijoada. É uma ideia inteligente, pois a água da feijoada salgada vai penetrar a batata, atravessando sua casca, e a gordura dissolvida continuará no caldo.
Problema solucionado? Bem… Esse procedimento, além de demorado, irá comprometer os demais ingredientes (carnes, linguiças, o próprio feijão etc.), pois eles tenderão a ‘empapuçar’ (empapar) devido ao excesso de cozimento.
A ‘receita’ do químico
Quem aprecia uma boa feijoada sabe que o caldo é uma de suas melhores partes. Ele contém – além de água, sal, pequenos pedaços de feijão e carnes – grande quantidade de gordura dissolvida. Isso implica que, se retirarmos uma quantidade de caldo salgado e o substituirmos por água pura, estaremos tirando também um dos principais ingredientes que agregam sabor a esse prato: a gordura dissolvida.
Então, será preciso desenvolver uma ‘tecnologia caseira’ – mas respaldada pela ciência – que consiga separar a gordura dissolvida no caldo, para que esta retorne à feijoada. Sem a gordura, o que sobra do caldo (água, sal, pedaços de feijão e carnes) não fará muita falta, pois a panela ainda está cheia deles.
É agora que o químico entra com a ‘solução’.
É de conhecimento geral que o cloreto de sódio (sal de cozinha) é bastante solúvel em água a qualquer temperatura. Mas os químicos sabem que as gorduras, de uma forma geral, são moderadamente solúveis em água e que essa solubilidade está muito relacionada à temperatura.
Ao cozinhar a feijoada, grande parte da gordura das carnes e linguiças é dissolvida no caldo, pois gorduras apresentam solubilidade relativamente alta em temperaturas elevadas. Então, para separar a gordura do caldo e resolver o problema da feijoada muito salgada, um químico iria propor o seguinte procedimento:
1.Colete boa porção do caldo da feijoada – pelo menos, 0,5 litro para uma feijoada que levou 1kg de feijão (figura 1).
2. Coloque o caldo em uma panela de metal e levea-a ao congelador por uns 15 ou 20 minutos, agitando-a de tempos em tempos para acelerar o processo de resfriamento – se o volume de caldo retirado for maior, teremos que aguardar um pouco mais.
3. Retire a panela do congelador e, usando uma peneira, filtre os blocos de gordura cristalizada que se formaram (figura 2), deixando, a seguir, o caldo salgado escorrer (figura 3) e descartando-o, pois nele está o excesso de sal.
4. Devolva a gordura cristalizada à panela que foi ao congelador, acrescente 0,5 litro de água quente (ou seja, o mesmo volume de caldo retirado), leve a panela ao fogo e espere toda a gordura cristalizada se dissolver (figura 4).
5. Agora, devolva o novo caldo à feijoada e dê uma boa mexida.
Pronto! O químico acaba de salvar seu almoço de domingo – e sua reputação como cozinheiro(a).
Dica final: caso a quantidade de sal em excesso tenha sido muito elevada, os passos de 1 a 5 poderão ser repetidos até que o teor de sal seja reduzido ao ponto adequado. E, para finalizar, bom apetite!
Fernando Antonio Portela da Cunha
Curso de Química,
Unidade Acadêmica de Ciências Exatas e da Natureza,
Universidade Federal de Campina Grande, Campus II, Cajazeiras (PB)