O primeiro alcalóide isolado no Brasil

 

O pau-pereira ( Geissospermum vellosii ) já foi citado como uma das dez plantas brasileiras mais importantes na medicina popular. (Foto: Márcia R. de Almeida)

A pereirina é um alcalóide encontrado na casca do pau-pereira ( Geissospermum vellosii ), árvore da família das apocináceas. A substância, usada durante muito tempo como medicamento contra febres (inclusive as provocadas pela malária), foi isolada pela primeira vez em 1838, no Rio de Janeiro, por um farmacêutico brasileiro. O isolamento desse alcalóide, reivindicado também por pesquisadores de outros países, mostra que na primeira metade do século 19 já se faziam estudos químicos de produtos naturais no país.

A exuberante natureza brasileira era motivo de fascínio e curiosidade para viajantes e colonizadores que aqui chegaram a partir do século 16. Esses homens descreveram os habitantes, os animais, os minerais e em especial as plantas, então utilizadas como alimentos, venenos ou medicamentos. Povos sem escrita, os indígenas das terras do pau-brasil eram os portadores dos saberes sobre as plantas nativas. Muitos europeus perceberam os usos empíricos de vegetais feitos pelos ameríndios, e deixaram escritos em que relacionam as plantas (identificadas pelo nome indígena, o único então existente) e os seus usos. Não existem, porém, registros padronizados nem descrições organizadas, mas apenas a intenção de descrever o que era vislumbrado no Novo Mundo.

De início, o processo de apropriação e certificação do conhecimento sobre plantas medicinais das novas terras dominadas baseava-se na experiência dos habitantes locais quanto ao seu emprego no tratamento de certos males. Mais tarde, com os avanços da botânica e da farmacologia, a possibilidade de produção de remédios inéditos e valiosos estimulou estudos mais acurados sobre essas plantas. Elas passaram a ser classificadas, ganharam descrições e nomes científicos e foram levadas aos laboratórios para a identificação de seus componentes químicos e o estudo de suas ações sobre o organismo humano, visando à fabricação de novos medicamentos.

Uma das plantas brasileiras que passou por esse processo foi a espécie conhecida como pau-pereira ( Geissospermum vellosii ). Da casca dessa árvore foi extraído um alcalóide, batizado de pereirina, que durante muitas décadas foi utilizado como remédio contra febres (inclusive as da malária) e outros males. Essa descoberta – o primeiro isolamento de um alcalóide no Brasil – aconteceu em 1838, no Rio de Janeiro, na farmácia de Ezequiel Corrêa dos Santos (1801-1864).

O pau-pereira
O pau-pereira, uma árvore da família das apocináceas, é encontrado na Bahia, em Minas Gerais, no Espírito Santo e no Rio de Janeiro. Essa planta foi de início classificada no gênero Tabernaemontana pelo frei José Mariano da Conceição Velloso (1742-1811), um dos pioneiros da botânica no Brasil. Velloso a designou como Tabernaemontana laevis . Na mesma época, os farmacêuticos e botânicos espanhóis Hipólito Ruiz López (1752-1816) e Jose Antonio Pavón Y Jimenez (1754-1840), autores de Flora peruviana et chilensis , livro publicado entre 1798 e 1802, a colocaram no gênero Vallesia .

Essa última classificação foi seguida pelo alemão – radicado no Brasil – Ludwig Riedel (1790-1861), autor da parte botânica do Manual do agricultor brasileiro , lançado em 1839 pelo fazendeiro francês, também radicado no país, Carlos Augusto Taunay (1791-1867). Já o alemão Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), principal autor da Flora brasiliensis , publicada em 15 volumes entre 1840 e 1906, transferiu essa árvore para o gênero Picramnia . As características diferenciadas do vegetal, porém, levaram o médico e botânico brasileiro Francisco Freire Allemão de Cysneiros (1797-1874) a criar, em 1845, um novo gênero para abrigá-la, Geissospermum . Em homenagem ao frei Velloso, o primeiro a descrever a planta, Freire Allemão batizou a espécie como Geissospermum vellosii . Atualmente, os nomes Tabernaemontana laeve , Geissospermum laeve e Geissospermum vellosii são considerados sinônimos científicos.

Márcia Rosa de Almeida,
Josélia Alencar Lima,
Nadja Paraense dos Santos
e
Angelo da Cunha Pinto
Instituto de Química,
Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

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