Trabalhando pelas gerações futuras

 
 
 

                                                                                                                                                              (Foto: Mariana Ferraz)

A esclerose lateral amiotrófica, ou ELA, é uma doença rara, letal e sem cura. Os portadores dessa enfermidade – o mais famoso é o físico inglês Stephen Hawking – sofrem com a perda progressiva da força muscular, deixando inicialmente de mover braços e pernas e por fim apresentando dificuldades até para respirar, mas mantendo as funções mentais em perfeito funcionamento.

Apesar de ter sido descrita na metade do século 19, apenas recentemente as pesquisas sobre a ELA começaram a dar resultados consistentes. Uma das responsáveis pelos avanços no conhecimento sobre a doença é a geneticista Agnes Nishimura, uma jovem pesquisadora brasileira, que descreveu uma nova forma de esclerose lateral amiotrófica que só existe no Brasil, a ELA tipo 8. Nishimura também descobriu sua causa — uma mutação genética ocorrida uma única vez há cerca de 500 anos, época da colonização portuguesa no país.

Doutora em biologia pela Universidade de São Paulo (USP), onde foi orientada pela geneticista Mayana Zatz, no Centro de Estudos do Genoma Humano, Nishimura atualmente realiza seu pós-doutorado no King’s College, na Inglaterra. Lá ela utiliza células-tronco embrionárias em experimentos para buscar novas informações sobre a ELA, que, no futuro, poderão ser base para terapias. A bióloga esteve em Brasília para receber o primeiro Prêmio Paulo Gontijo de Medicina por suas descobertas sobre a doença, onde recebeu a Ciência Hoje para esta entrevista.

Gostaria que descrevesse a esclerose lateral amiotrófica e falasse sobre as particularidades da doença no Brasil.
A esclerose lateral amiotrófica, ou ELA, é uma doença que atinge os neurônios motores. Na verdade, trata-se de um grupo de doenças bastante heterogêneo, mas nas quais sempre há partes da medula espinhal que sofrem uma degeneração que provoca a atrofia dos músculos. Os diferentes tipos de ELA são classificados de acordo com a herança e o modo de progressão, mas, basicamente, todos os pacientes apresentam fraqueza muscular, que pode acarretar, por exemplo, problemas relacionados à respiração e à fala. A ELA não tem cura, e chegar a um diagnóstico às vezes é demorado, porque em princípio não há um sintoma que diga à pessoa que e é portadora da doença. Muitas vezes o paciente apresenta dor muscular e busca um ortopedista ou um clínico geral. Por isso, quando não há nenhum outro caso na família, o diagnóstico final pode levar até um ano para ser definido. A incidência da ELA no Brasil e no resto do mundo é bastante similar: dois casos a cada 100 mil pessoas, por ano.

Você descobriu um novo tipo de ELA. O que o caracteriza?
O ELA tipo 8 é uma doença causada por uma mutação em um gene chamado VAP-B. Até agora ela só foi identificada no Brasil e costumamos dizer que se trata de uma doença única. Mas por quê? Porque nesse tipo de ELA os pacientes apresentam tremor, câimbra dolorosa e fasciculação – quando o músculo sofre contrações repetidas – no pescoço, barriga, braços e pernas. Os pacientes apresentam ainda um aumento no volume abdominal. Todos esses sintomas não são típicos da esclerose lateral amiotrófica. Além disso, o tempo de progressão da ELA tipo 8 é lento, de 10 a 20 anos, enquanto na ELA padrão esse processo é bem mais rápido, em torno de quatro anos.

Com sintomas tão atípicos, como vocês concluíram que se tratava de um novo tipo de ELA? Como foi o processo de descoberta da doença?
A neurologista Helga Cristina Silva, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) encaminhou ao nosso instituto, o Centro de Estudos do Genoma Humano (da Universidade de São Paulo, USP), três pacientes com sintomas diferentes e que aparentemente não tinham nenhuma relação entre si. Através de entrevistas e da análise do sangue desses pacientes, descobrimos que eles pertenciam a uma única família, com vários ramos, e concluímos que se tratava da mesma doença em diferentes fases. Fiz então testes buscando identificar, nessas pessoas, mutações nos genes já conhecidos como sendo relacionados às formas de ELA familiais (hereditárias), mas não encontrei nada. Pensamos que poderia se tratar de um novo gene relacionado à doença e começamos a procurá-lo. Imagine que você tenha um prédio de 22 andares, e eu te peça para encontrar ali uma cadeira com uma perna quebrada. Você vai ter que procurar em todos os andares, e uma vez que encontre uma dica do andar, você terá que procurar o apartamento em que está a cadeira. A idéia é mais ou menos essa. As células têm 22 pares de cromossomos, que são os autossomos, além dos cromossomos sexuais, e é preciso mapear cada par desses utilizando marcadores específicos para achar o gene da doença. Comparamos uma região do DNA de pacientes com ELA com o de pessoas normais da mesma família. Eu tive muita sorte, porque comecei a procurar pelo cromossomo 22, que é o menor deles, e achei uma região alterada no cromossomo 20. Cheguei a pensar que estava fazendo algo errado, não podia ser tão fácil assim! Continuei procurando, fui até o cromossomo 14, e vi que não havia erro, tinha que ser naquela região, porque era a única compartilhada por todos os pacientes. A partir daí, Miguel Mitne Neto — que na época era aluno de iniciação científica — e eu tivemos que procurar o gene. Achamos o andar, agora tínhamos que buscar a cadeira. Procurando gene a gene encontramos o alterado. Para ter certeza de que essa mutação não era comum na população, testamos ainda 200 indivíduos normais e vimos que realmente era aquele gene o responsável pelo aparecimento da doença. 

Mariana Ferraz
Ciência Hoje/RJ

* A repórter viajou a Brasília a convite do Instituto Paulo Gontijo

 

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