Um marco da pesquisa arqueológica foi anunciado no início de 2018. Pesquisadores encontraram uma ‘megalópole’ da civilização Maia, com mais de 60 mil ruínas de casas, palácios, rodovias elevadas e fortalezas, escondida nas selvas do norte da Guatemala. A descoberta, que mais parece saída de um filme hollywoodiano, só foi possível graças ao sistema LiDAR (do inglês, Light Detection And Ranging), uma tecnologia de sensoriamento remoto baseada em varredura a laser, que removeu digitalmente o dossel da floresta, revelando a cidade escondida.
“O LiDAR está revolucionando a arqueologia do mesmo modo que o Telescópio Espacial Hubble revolucionou a astronomia”, afirmou Francisco Estrada-Belli, arqueólogo da Universidade de Tulane e Explorador da NationalGeographic. Muitas outras áreas do conhecimento estão sendo impactadas por essa tecnologia: planejamento costeiro, avaliação de risco de inundações, telecomunicações e redes de transmissão de energia, florestas, agricultura, petróleo, transporte, planejamento urbano, mineração, preservação de patrimônio, entre muitas outras.
Mas a grande revolução realizada pelo LiDAR começou há muito anos, na busca da humanidade por enxergar aquilo que é invisível a nossos olhos. Para narrar essa jornada, é importante lembrar que a percepção que temos do mundo depende de muitos e variados sensores. Ao ver, ouvir, cheirar, provar e tocar, estamos fazendo diferentes leituras do que está ao nosso redor, por meio dos ‘sensores naturais’ que temos à nossa disposição.
Nossos olhos, por exemplo, são sensores remotos bastante especiais. São sensíveis à chamada luz visível, que corresponde às ondas eletromagnéticas entre 0,38 e, aproximadamente, 0,7 micrômetros (um milionésimo de metro) de comprimento. Tudo que se reflete nesse intervalo – denominado espectro visível – é percebido por nós em cores. Somos, dessa forma, capazes de enxergar uma infinidade de cores e de entender o mundo por meio delas.
Há também ondas de comprimentos maiores ou menores do que as do espectro visível, que não são detectadas por nossos olhos. Muitos desses intervalos são bem conhecidos, como os raios ultravioleta e infravermelho. Estes e outros formam o espectro eletromagnético – do qual o espectro visível é apenas uma pequena porção -, que funciona como uma régua, com valores de comprimento de onda ou frequência, escalonando as diferentes faixas de energia. Nele, podemos observar a variedade dos tamanhos da onda, que podem alcançar a dimensão de uma molécula ou de um campo de futebol.
Existe, portanto, uma imensidão invisível aos nossos olhos. E, com a necessidade investigativa que promoveu a nossa evolução histórica, fomos buscando instrumentos que ampliassem a nossa percepção natural do mundo.
Com o desenvolvimento dos sensores remotos, surgiu uma demanda para produzir dados tridimensionais para estudos terrestres. Para isso, foram desenvolvidas soluções para determinar a altimetria (processo de medição da elevação de pontos na superfície).
A representação deste dado é feita, em geral, na forma de matrizes ou modelos digitais, gerados a partir de um conjunto de pontos e/ou linhas de altitude conhecida.Nesse contexto, há os modelos digitais de superfície (MDS) e os modelos digitais do terreno (MDT).
Os MDS contêm informações de elevação de todos os elementos da paisagem, como solo exposto, árvores, edificações e outras estruturas.
Os MDT, por sua vez, contêm informações de elevação como se a Terra estivesse desnuda, sem a influência dos elementos naturais ou antrópicos existentes sobre sua topografia.
A diferença entre estes dois modelos determina a altura dos elementos. Essa informação, em se tratando da área florestal, tem sido usada em aplicações ecológicas e até econômicas, como a estimativa de sequestro de carbono.
Para uma melhor análise dos modelos digitais de superfície e terreno, vale uma breve reflexão sobre a diferença entre altura e altitude. Ambas são medidas de uma distância vertical. Mas, por altura, entende-se a medida entre a base e o topo de um determinado corpo. Enquanto que, na medida da altitude, esta base deve corresponder ao nível médio dos mares. Assim, uma montanha pode ter 2.000 metros de altura, e seu cume estar a 2.800m de altitude.
Assim, novos níveis de leitura e compreensão do espaço foram alcançados. Da esfera terrestre, fomos para a aérea e, depois, para a orbital. Tornou-se possível registrar áreas cada vez mais abrangentes em intervalos cada vez mais curtos. Essas informações possibilitaram, por exemplo, a geração de mapeamentos e medições que são entendidas como métricas da paisagem, na forma de comprimentos, áreas e volumes. Tais medidas são fundamentais para diagnósticos, análises comparativas, monitoramento e cálculo de vários índices, como os utilizados em estudos da fragmentação florestal (quando áreas de vegetações naturais são interrompidas por barreiras naturais ou, principalmente, antrópicas – provocadas pela ação humana -, como exploração de madeira, queimadas, agropecuária, criando habitats precários).
Por outro lado, a evolução dos sensores buscou a compreensão, cada vez mais precisa, de detalhes, apoiando a identificação, delimitação e classificação de objetos bem pequenos. A diversidade de escalas atendidas pelos sensores remotos é tão ampla que diferentes ciências usam essas tecnologias, como é o caso da medicina e da astronomia, que lidam com micro e macro dimensões, respectivamente.
Os sensores podem ser classificados em passivos ou ativos. Os primeiros são dependentes de uma fonte de energia externa, normalmente o Sol. Nossos olhos são desse tipo. Sem uma fonte externa, seja natural ou artificial, não conseguimos enxergar. Afinal, o que registramos são as respostas da energia refletida pelos objetos, em diferentes comprimentos de onda, a partir de uma fonte de energia incidente.
Diferentemente dos passivos, os sensores ativos têm a sua própria fonte de energia, que interage com a superfície e retorna ao sensor, possibilitando o registro de informações. Este já pode ser considerado outro superpoder que adquirimos com a incorporação de tecnologias. Agora, além de não estarmos mais limitados à percepção no nível terrestre, também somos capazes de registrar informações sem a necessidade de uma fonte de energia externa, que nos ajude a enxergar. Há importantes sensores ativos, como os radares e os lasers, que permitem a realização de investigações que não eram possíveis com os clássicos sensores ópticos.
Grande parte dos estudos ambientais que utilizam o sensoriamento remoto como técnica envolve sensores ópticos passivos que, em geral, permitem uma análise espacial em apenas duas dimensões. O LiDAR é uma tecnologia óptica de sensoriamento remoto ativo. Seu princípio de funcionamento se baseia na emissão e recepção de um feixe de laser a partir de uma plataforma (aérea, terrestre ou orbital) até a superfície terrestre. Ao encontrarem a superfície, esses feixes são refletidos por obstáculos (construções, vegetação ou o próprio terreno) e são captados pelo sensor. Nesse processo é possível calcular a distância entre o sensor e o alvo situado na superfície terrestre.
O produto gerado é uma nuvem de pontos georreferenciados (com latitude, longitude e altitude ou distância conhecidas), que possibilita construir uma imagem 3D da paisagem. Por meio das formas geradas nessa nuvem de pontos, somos capazes de identificar diferentes tipos de objetos.
Essa tecnologia é capaz de oferecer uma visão horizontal e também vertical de uma área, com imagens de alta resolução espacial e informações muito precisas. Isso torna enorme o seu potencial para pesquisas ecológicas, como a identificação dos habitats por meio de medidas que mostram a organização da vegetação, e também para o manejo florestal.
A capacidade do LiDAR de fazer medições verticais precisas dos ecossistemas também pode melhorar o gerenciamento e planejamento florestal. Por exemplo, ao registrar a altura do dossel (estrato superior árvores que concentra a maior parte das formas de vida nas florestas tropicais) é possível, por meio da modelagem, estimar a quantidade de biomassa acima do solo. Este é um passo importante para identificar a quantidade de carbono estocado nas florestas, ponto central para estudos do ciclo global do carbono.
O sistema LiDAR fornece muitas informações, e o processamento desses dados envolve várias etapas. Uma das mais importantes é a filtragem das informações obtidas nas reflexões do feixe a laser, os chamados retornos. Como as distâncias entre o sensor e cada ponto examinado são conhecidas, essas respostas são ordenadas em primeiro retorno, segundo retorno etc.
Primeiro retorno: os pontos classificados dessa forma darão origem ao modelo digital de superfície (MDS), ou seja, a representação matricial da cobertura dos elementos naturais, como florestas, ou estruturas construídas, como prédios.
Retornos intermediários: são estudados para vários fins e têm promovido descobertas interessantes, trazendo informações de objetos que estão, normalmente, ocultos.
Último retorno: esses pontos estão associados à topografia e são usados na geração do modelo digital do terreno (MDT), considerado fundamental para a representação precisa do relevo. Estes são os produtos mais comuns derivados do LiDAR.
Outra aplicação da tecnologia LiDAR promete revolucionar o transporte: a criação de carros autônomos que “enxergam” o mundo como os humanos. Apesar de ser uma opção cara e outras soluções também estarem em desenvolvimento, essa tecnologia tem se mostrado bastante promissora. O LiDAR é capaz de vasculhar o entorno do automóvel para criar um mapa detalhado, em 3D, com a localização precisa de objetos, ajudando na orientação da direção.
No Brasil, estuda-se associar o LiDAR aos Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT) para realizar o monitoramento de ecossistemas, como na Amazônia e no Cerrado. Essas tecnologias podem ser usadas para gerar informações detalhadas e atualizadas sobre degradação e recuperação florestal, o que pode auxiliar nas ações de conservação da natureza nesses biomas.
Técnicas inovadoras baseadas em satélites, VANT e lasers aerotransportados são ferramentas recentes testadas pela ciência para monitorar sistemas naturais e agrários, e, também, para integrá-los. O potencial dessas tecnologias na geração de informações estratégicas para planejamento, manejo e identificação dessas áreas tem sido avaliado frente a diferentes escalas. Aplicações possíveis são o monitoramento do estado e da evolução dessas terras até estimativas de biomassa (quantidade de vegetação) e carbono estocado.
Mas não é só em florestas e no campo que a tecnologia LiDAR pode ser aplicada. A modelagem 3D já é usada no planejamento urbano para, por exemplo, mapear traçados de rodovias ou ferrovias. Outra função está relacionada a projetos de preservação do patrimônio arquitetônico. Um exemplo é associar os scanners a laser a sensores termais para detectar a existências de vazamentos ou infiltrações que podem causar desabamentos ou outros acidentes.
Todo este caminho ainda é muito recente, e parte dos resultados é considerada de caráter preliminar. Apesar disso, é fato que tanto os investimentos quanto as demandas são grandes, o que intensifica a busca por soluções tecnologicamente e economicamente viáveis.
O que sabemos é que o limite de tudo isso ainda é desconhecido, e que o uso de sensores remotos tem avançado muito, possibilitando mais e mais descobertas e avanços em diversas áreas. E, hoje, como super-homens, somos capazes de enxergar o mundo de forma inimaginável no passado, bem além do que os nossos olhos nos permitem ver.
Carla Madureira Cruz
Departamento de Geografia
Instituto de Geociências
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Elisa Penna Caris
Departamento de Geografia
Instituto de Geociências
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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