Kourou, Guaiana Francesa, dezembro de 2013. A agência espacial europeia (ESA) lança o foguete Soyuz ST-B, carregando o satélite Gaia, com o principal objetivo de criar um mapa tridimensional preciso de estrelas ao longo da Via Láctea, de modo a entender melhor a composição, formação e evolução de nossa galáxia. Os primeiros dados são divulgados em setembro de 2016, em levantamento conhecido como DR1 (do inglês, data release), que apresentou distâncias e movimentos de 2 milhões de estrelas. No último 25 de abril, novas informações foram reveladas (DR2) após 22 meses de observação. E estão previstos mais dois comunicados para 2020 e 2022.
O volume e a qualidade dos dados coletados nesta segunda etapa da missão Gaia – que cobre o período de 25 de julho de 2014 a 23 de maio de 2016 – representam um momento ímpar para a astronomia, pois possibilitam um salto no entendimento da origem, estrutura e evolução da Via Láctea. As informações recém-divulgadas incluem a definição da posição e da distância de quase 1,3 bilhão de estrelas, com precisão ainda maior do que na primeira fase de observação. Graças à missão Gaia, que reúne em torno de 400 cientistas de diversos países, incluindo cinco do Brasil, a base do conhecimento astronômico está mudando a passos largos. Nas próximas etapas, serão revelados novos objetos e medidas mais acuradas.
Desde que foi lançado, Gaia está orbitando o Sol a aproximadamente 1,5 milhão de quilômetros da Terra, girando ao redor de um ponto conhecido como ‘ponto de Lagrange 2’ (L2), ‘atrás da Terra em relação ao Sol’, deslocando-se à mesma velocidade angular de nosso planeta. Nesse ponto, o satélite pode observar o céu sem ser perturbado pelo Sol, pela Terra nem pela Lua. Dotado de dois telescópios com espelhos retangulares de 1,45 m x 0,5 m, o satélite vem varrendo o céu, medindo o brilho, a posição e o movimento de estrelas, objetos do Sistema Solar (conhecidos ou não), galáxias e quasares.
O conhecimento astronômico baseia-se essencialmente nas observações dos astros. Observar um astro, para um cientista, significa realizar medidas. Ao coletar sua luz, pode-se medir sua intensidade (brilho aparente) e sua direção (posição); nada mais. Com essas grandezas e suas possíveis variações em função do tempo e/ou do comprimento de onda e da distribuição superficial, podemos deduzir outras grandezas, como distâncias, movimentos, dimensões, temperaturas, massas, composições químicas, idades etc. Com elas, é possível caracterizar fisicamente os astros, assim como tentar descrever e compreender suas origens e evoluções, incluindo o planeta que habitamos e a própria vida.
O alcance e o interesse do trabalho científico observacional dependem fortemente da precisão com que essas medidas são realizadas. A atmosfera sempre foi um grande empecilho para a astronomia, pois barra parte da luz, distorce e movimenta as imagens, prejudicando muito a qualidade da observação. Entretanto, hoje, é possível driblar essas dificuldades.
A precisão das medidas feitas por Gaia se deve à ausência da atmosfera onde o satélite orbita, à grande estabilidade mecânica e térmica dos telescópios e do ângulo entre seus espelhos, e à alta resolução do seu sistema de detecção, que conta com 106 chips (detectores eletrônicos), sendo a maioria destinada à medida da posição (astrometria).
A grandeza mais importante para a astronomia é a ‘distância’. A distância dos astros é essencial para transformar aquilo que observamos – e que, portanto, é aparente – em grandezas absolutas. Os tamanhos aparentes da Lua e do Sol, por exemplo, são praticamente os mesmos. Entretanto, sabemos que o Sol é muito maior, justamente porque conhecermos as distâncias envolvidas.
As distâncias das estrelas são imensas. Para obtê-las, é preciso usar várias estratégias. O primeiro passo – fundamental, uma vez que vai calibrar os próximos – baseia-se na medida de um minúsculo deslocamento angular aparente em suas posições (o ângulo π na figura 2) provocado pelo movimento orbital da Terra ao redor do Sol. Esse deslocamento é chamado ‘paralaxe estelar’ e é inversamente proporcional à distância que nos separa do astro em questão. A medida da paralaxe estelar é a motivação principal da missão Gaia.
Para descobrir a distância das estrelas, é preciso medir a chamada ‘paralaxe estelar’ – o pequeno deslocamento angular aparente da posição da estrela (π na figura) provocado pelo movimento da Terra ao redor do Sol. Esse deslocamento é inversamente proporcional à distância que nos separa do astro em questão.
Até a divulgação dos dados desta segunda etapa, haviam sido determinadas com excelência (com erro relativo abaixo de 0,1%) em torno de 10 paralaxes estelares. Hoje, temos milhares de paralaxes excelentes. As consideradas muito boas (erro relativo menor que 1%) eram cerca de 800; agora, passamos dos 10 milhões. As paralaxes razoáveis (erro relativo até 10%) eram entre 30 e 35 mil; atualmente, são mais de 100 milhões.
O que Gaia poderá nos ensinar sobre nossa galáxia? A missão já permitiu que conhecêssemos com precisão a luminosidade, a massa e a idade de milhões de suas estrelas. Os dados que vêm sendo colhidos nos ajudarão a recuar no tempo para imaginar como era a Via Láctea e quais são suas reais dimensões. Possibilitarão também determinar a distância do Sistema Solar ao centro da galáxia.
Além disso, a alta precisão do satélite o torna tão sensível a ponto de poder detectar pequenas perturbações nos movimentos das estrelas causadas por exoplanetas (planetas que orbitam outras estrelas), e de permitir mapear a matéria escura que acreditamos permear nossa galáxia. A massa do buraco negro supermassivo que está no centro da Via Láctea também poderá ser determinada de forma confiável.
Cientistas do mundo todo estão agora concentrados na interpretação desses dados e devem, em breve, nos contar, entre outros tópicos, como é, como se formou e como evolui a nossa galáxia.
Ramachrisna Teixeira
Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo
Consórcio de Análise e Processamento de Dados Gaia (DPAC)
Alberto Garcez de Oliveira Krone-Martins
CENTRA, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Portugal
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