O vírus SARS-CoV-2 ao entrar no organismo, normalmente pelas vias aéreas (pulmão), se liga a um receptor chamado ACE2 na superfície de diferentes tipos de células, como as epiteliais (que revestem as vias aéreas), as alveolares (onde ocorre troca gasosa), as endoteliais (que revestem o interior dos vasos sanguíneos) e os leucócitos, que são as células de defesa (algumas residentes nos tecidos, como os macrófagos e os mastócitos). Logo em seguida o vírus entra na célula, onde será reconhecido por moléculas que desencadeiam a produção de grandes quantidades de mediadores inflamatórios. Alguns dos mediadores mais conhecidos são proteínas chamadas citocinas, responsáveis por iniciar vários processos que culminarão na eliminação do vírus. Um desses processos é o recrutamento de mais células de defesa da corrente sanguínea para o local (neutrófilos, monócitos e linfócitos). Esses mediadores e células são muito importantes para induzir a morte das células infectadas com os vírus, eliminando-as e impedindo assim que o vírus se replique e infecte outras células vizinhas. Mas, em alguns casos – sobretudo em indivíduos com doenças prévias, como diabetes e hipertensão, ocorre uma reação inflamatória exagerada, resultante de desequilíbrio e falha nos mecanismos de controle da resposta inflamatória. Essa grande liberação de mediadores inflamatórios, principalmente das citocinas, recebe o nome de “tempestade de citocinas”. Esse fenômeno é perigoso porque as células ativadas pelas citocinas liberam outros mediadores – como os radicais livres e as redes extracelulares de DNA de neutrófilo (NET) – também em grande quantidade, que são tóxicos para os microrganismos, mas também para as células sadias do tecido.
Sabemos em parte. A tempestade de citocinas observada em pacientes com covid-19 acontece quando a resposta inflamatória perde o controle da infeção. Isso tem sido observado principalmente em indivíduos com doenças prévias, como diabetes, hipertensão e enfermidades pulmonares, bem como em idosos, obesos e fumantes. O idoso, por exemplo, tem fragilidade na defesa contra o microrganismo porque suas células responsáveis por atacar esse invasores estão em menor número e são menos eficientes. Já o paciente diabético é mais suscetível por ter muita glicose no sangue, propiciando maior capacidade de replicação viral e grande produção de citocinas, como o interferon, além dos radicais livres, moléculas muito reativas que destroem as células saudáveis do organismo. O interferon aumenta o número de receptores ACE2 nas células, por onde o vírus SARS-Cov-2 entra, favorecendo o aumento da carga viral nos tecidos. Sobre os pacientes hipertensos, o que sabemos hoje é que eles são mais susceptíveis à infecção por SARS-Cov-2 por acumular um mediador/hormônio que se chama angiostensina II no organismo, responsável por diminuir o calibre dos vasos. A angiostensina II também é uma molécula pró-inflamatória, o que leva ao aumento de citocinas e radicais livres, agravando o quadro do paciente. Os indivíduos fumantes e com doenças prévias pulmonares ficam mais predispostos porque já possuem uma inflamação basal no pulmão, consequentemente já apresentam lesão tecidual e isso favorece a infeção viral.
Sobre a possibilidade de impedir que a tempestade de citocina agrave o quadro, os cientistas estão estudando algumas estratégias. Já se sabe que os anticorpos direcionados para a proteína S (espícula) presente na parte externa do vírus impedem a ligação do vírus à célula e isso bloqueia a infecção, impedindo por sua vez a liberação de grandes quantidades de citocinas. Fármacos ou anticorpos que inibam a citocina IL-6 também parecem ser bem promissores, já que impedem a ação dessa citocina nas células e no organismo. O fármaco dexametasona (um glicocorticoide sintético) também é um potente agente anti-inflamatório e inibe a tempestade de citocinas, porém apresenta muitos efeitos adversos e deve ser usado por um curto período de tempo, em doses baixas e para os pacientes em oxigenoterapia ou em ventilação mecânica. Em resumo, ainda não temos um tratamento efetivo comprovado para a covid-19, porque o vírus afeta muitos órgãos e ativa muitas vias inflamatórias ao mesmo tempo, o que torna a terapia um grande desafio.
Claudia Farias Benjamim
Programa de Imunobiologia
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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