Como podemos determinar os elementos químicos presentes em um cometa que viaja pelo espaço?

CRÉDITO: FOTO ADOBE STOCK

Cometas são um dos objetos de estudo favoritos dos astroquímicos. Eles foram formados da mesma nuvem de gás e poeira que deu origem a planetas, luas e outros corpos de um sistema planetário. No entanto, por estarem em regiões muito frias e afastadas do Sistema Solar, seu conteúdo passou por pouco ou nenhum processamento desde então. Isso torna estes corpos verdadeiros fósseis espaciais, compostos por um material preservado dos primórdios do Sistema Solar. Por esse motivo, há um grande interesse da comunidade astronômica em estudar a sua composição e evolução química.

Hoje, sabe-se que cometas são compostos majoritariamente de água, para a infelicidade de Peter Isherwell (o personagem bilionário e CEO de uma empresa de tecnologia do filme “Não Olhe Para Cima”, 2021). Ainda assim, outras espécies menos abundantes já detectadas variam desde moléculas simples até compostos orgânicos prebióticos (antes do surgimento de vida) como o aminoácido glicina. Esses compostos, por sua vez, podem ajudar a entender como a química do Sistema Solar evoluiu em complexidade ao longo do tempo, eventualmente originando as formas de vida que conhecemos no planeta Terra. Essa abundância de detecções moleculares se deve em grande parte aos esforços de pesquisadores em utilizar técnicas diversas para analisar a composição dos cometas.

Telescópios são uma das principais ferramentas para desvendar a química dos cometas, pois eles são capazes de observar a maneira pela qual as ondas de infravermelho e microondas que permeiam o espaço sideral interagem com as moléculas. Essa interação se expressa na forma dos denominados espectros de linhas: padrões de luz característico para cada espécie química, como um código de barras. Assim, é possível identificar moléculas a partir de suas assinaturas espectrais.

Para além das observações, diversas sondas espaciais já foram enviadas para estudar esses objetos. Um exemplo foi a missão Rosetta (2004-2016), que pousou no cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. Ela carregava um espectrômetro de massas, que permite identificar as moléculas presentes no meio através dos seus padrões específicos de fragmentação. Por fim, uma análise mais íntima desse material cometário também é possível graças a missões como a Stardust (1999-2006), que coletou amostras do cometa Wild 2 e as retornou para a Terra, onde foram estudadas em laboratório.


Julia de Carvalho Santos

Laboratório de Astrofísica, Universidade de Leiden (Países Baixos)

Por que o ouro é amarelo enquanto a maioria dos metais apresenta uma coloração cinza prateada?

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Para desvendarmos esse mistério, combinamos duas teorias: a mecânica quântica e a teoria da relatividade. Utilizando cálculos quânticos, determinamos as energias dos elétrons presentes nos átomos e suas posições em relação ao núcleo. Lembra-se do diagrama de Linus Pauling, que aprendemos na escola? Ele é obtido através desses cálculos quânticos e fornece a ordem de energia dos orbitais (1s 2s 2p 3s…). Por exemplo, um elétron descrito por um orbital 3s possui uma energia maior do que outro descrito por um orbital 2p. Agora, uma revelação: as diferenças de energia entre orbitais explicam as cores dos elementos químicos. Quando incidimos luz num determinado elemento, ele pode absorver parte dessa luz, fazendo com que um elétron passe de um orbital de menor energia para outro de maior energia. A cor que observamos depende da diferença de energia entre esses dois orbitais. Veja que interessante, a mecânica quântica explica as cores que nos cercam!  

Agora, vamos ao ouro (Au), metal que se encontra no sexto período da tabela periódica e é caracterizado por uma grande quantidade de carga nuclear (o núcleo de um átomo tem carga total positiva). Isso faz com que os elétrons (partículas com carga negativa) sejam fortemente atraídos por esse núcleo, particularmente os elétrons descritos por orbitais “6s”. Devido a essa forte atração observada no ouro, esses elétrons adquirem uma energia cinética muito elevada. Podemos dizer que eles se movimentam muito rapidamente e, quando algo se movimenta com velocidades próximas àquela da luz, precisamos pedir a ajuda de Einstein e utilizar resultados da sua famosa teoria. Nesse caso, a teoria da relatividade complementa os resultados obtidos pela mecânica quântica. Utilizando um termo técnico, dizemos que os efeitos relativísticos se manifestam de forma pronunciada nesses elétrons. Em particular, os orbitais “6s” são contraídos e sua energia diminui, enquanto a energia dos orbitais “5d” aumenta, fazendo com que a diferença de energia entre esses orbitais seja menor do que o que seria observado na ausência desses efeitos relativísticos. Assim, a principal transição eletrônica do ouro, de 5d para 6s, é da ordem de 2.3 eV, absorvendo luz de cor azul e violeta e refletindo luz nas cores amarelo e vermelho. Então, a cor observada é algo próximo ao amarelo (“dourada”). Por exemplo, isso não ocorre para a prata (Ag), a energia absorvida na transição “4d” para “5s” é maior, na ordem de 3.5 eV, conferindo a cor típica metálica (“prateada”). Será que existe algo de especial no Au? A resposta é sim! A combinação de efeitos relativísticos, principalmente a contração do orbital “6s” e expansão dos orbitais “5d” é única e bastante pronunciada nesse elemento. Dessa forma, surgem propriedades como a cor “dourada” e a “aurofilicidade”, que é a tendência de átomos de Au se atraírem formando aglomerados atômicos.

 

Ricardo Rodriguez de Oliveira Junior

Instituto de Química
Universidade Federal do Rio de Janeiro (rrodrigues.iq@gmail.com)

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