Tuberculose: da infecção à doença

A tuberculose é transmitida basicamente por via aérea. Isso quer dizer que, quando uma pessoa com essa doença tosse, ela espalha no ambiente partículas de secreção respiratória que contêm micobactérias (Mycobacterium tuberculosis) capazes de infectar outras pessoas. Nesse caso, infecção não é o mesmo que doença: uma pessoa infectada pode permanecer assim a vida toda, sem desenvolver tuberculose.

O processo de adoecimento, quando ocorre, pode começar logo após a infecção (é a chamada tuberculose primária) ou mais tarde, após longo período de infecção latente (tuberculose pós-primária ou de reativação).

Certas pessoas são mais suscetíveis a adoecimento, como portadores do HIV e crianças

A pessoa que não adoece no período de maior risco (nos primeiros dois anos após a infecção) passa a conviver em harmonia com a micobactéria, até que algum fator altere esse equilíbrio e estimule a multiplicação do M. tuberculosis. Esses fatores podem ser uma queda da imunidade (como nas pessoas infectadas pelo HIV), o uso de algum medicamento para tratamento de câncer ou de doenças reumáticas, o uso de cortisona em doses altas ou mesmo um adoecimento sem razão aparente.

Certas pessoas são mais suscetíveis a adoecimento, como portadores do HIV e crianças. Por isso, devem receber tratamento preventivo se tiverem contato com pessoas com tuberculose pulmonar que apresentem bacilos no exame do escarro. As outras formas de tuberculose (pleural, ganglionar, meníngea, renal etc.) não são transmissíveis e, portanto, as pessoas que convivem com o doente não se infectam.

Pessoas infectadas, mas sem a doença ativa, não transmitem tuberculose para outras. A transmissão decorre da presença de bacilos no escarro e isso só acontece com pessoas doentes. A transmissão pode ser reduzida se o local de convívio ficar arejado (com portas e janelas abertas, para fazer corrente de ar) e se houver luz solar (varandas, terraços e outros locais expostos). Além disso, o doente pode levar a mão ou um lenço à boca, ao tossir, para evitar lançar partículas no ar.

Identificar a infecção 

Para saber se uma pessoa está infectada pelo M. tuberculosis, os profissionais de saúde usam o teste tuberculínico ou teste de derivado proteico purificado (PPD, na sigla em inglês). Nesse teste, uma proteína do bacilo é aplicada no antebraço e, se a pessoa tem ou já teve o M. tuberculosis no organismo, seu sistema de defesa reage à proteína, o que leva ao rubor e ao endurecimento da pele no local de aplicação. O PPD, no entanto, é um teste antigo e tem limitações. A reação de pessoas que receberam a vacina BCG, por exemplo, pode ser confundida com a de pessoas infectadas com o M. tuberculosis, gerando dúvidas. 

Teste tuberculínico
O teste tuberculínico, feito na pele com uma proteína do bacilo da tuberculose, causa vermelhidão e endurecimento do local se a pessoa teve contato com esse bacilo, mas esse diagnóstico deve ser confirmado por outros exames. (foto: Donald Kopanoff/ CDC)

Também ocorre reação em caso de infecção por outras micobactérias ambientais. Além disso, alguns – mesmo expostos por longo tempo a pessoas com o bacilo no escarro – não reagem ao PPD, e ainda não se sabe por que isso ocorre.

Outros testes foram desenvolvidos para contornar esse problema. Os ensaios baseados na secreção de interferon-gama (chamados de IGRAs) foram as vedetes dos últimos anos. Parecia ser uma solução, mas para decepção geral o teste também não obteve o sucesso esperado, em especial em crianças. Esse teste ainda é bastante caro, mas tem como vantagem a facilidade para o paciente, que faz o exame de sangue e o IGRA juntos, enquanto no PPD a pessoa precisa voltar, 72 horas após a aplicação da proteína, para a leitura do resultado.

É muito difícil separar uma pessoa vacinada de uma infectada e uma infectada de uma doente. Às vezes, a doença está ainda no início e pode passar despercebida como infecção. Por isso, o médico sempre deve pedir uma radiografia de tórax antes de aplicar o tratamento preventivo. A infecção latente é tratada com um medicamento, enquanto para a doença são usados quatro. Assim, todos os esforços devem ser feitos para excluir a tuberculose ativa antes de iniciar o tratamento preventivo.

Prever quem vai adoecer 

É importante saber que o risco de adoecimento é maior nos dois primeiros anos após a infecção, mas só adoecem aproximadamente cinco em cada 100 pessoas infectadas (risco de 5%). Após dois anos, o risco cai muito. Em crianças, esse risco é maior, assim como em algumas situações, como a infecção pelo vírus da Aids (HIV), o uso de certos medicamentos, a presença de diabetes etc.

Os testes de detecção do bacilo, tanto o PPD quanto os IGRAs, são bons para identificar quem está infectado. Entretanto, é muito baixa a capacidade desses testes de predizer quem, entre os indivíduos infectados, desenvolverá a doença.

Recentemente, estudos com fragmentos de RNA chamados de microRNAs têm mostrado que cada indivíduo apresenta um padrão diferente de resposta imunológica a doenças

Recentemente, estudos com fragmentos de RNA chamados de microRNAs (que atuam como reguladores das respostas de defesa do organismo) têm mostrado que cada indivíduo apresenta um padrão diferente de resposta imunológica a doenças, como se cada um fosse programado para adoecer após uma infecção, ou para responder ou não a um tratamento. Esses estudos, porém, são muito recentes, e ainda não permitem tirar conclusões sobre a capacidade de predizer adoecimento com base na análise dos microRNAs.

Prever quem é mais suscetível ao adoecimento permitiria determinar tratamentos mais adequados, levando a uma redução dos casos de tuberculose ativa e, portanto, da transmissão da doença. Por isso, é importante desenvolver testes que avaliem de modo mais eficaz o risco de um indivíduo infectado por M. tuberculosis desenvolver a doença ativa.

 

Você leu apenas o início do artigo publicado na CH 319. Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista e ler o texto completo.

 

Solange Cesar Cavalcante
Valeria Cavalcanti Rolla
Laboratório de Pesquisa em Micobacterioses
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

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