A preservação da água começa em casa. Essa é a idéia central de um projeto de manejo integrado de bacias hidrográficas do semi-árido nordestino que culminou no desenvolvimento de uma ecorresidência. A casa foi concebida por uma equipe multidisciplinar e tem diversas características que ajudam na preservação do meio ambiente, como um telhado projetado para captar a chuva e um sistema de reutilização da água de chuveiros e pias. Além dos benefícios ambientais, a ecorresidência chega a ser até 40% mais barata que uma casa tradicional.
O semi-árido brasileiro é uma região de pouca chuva (entre 400 mm e 800 mm anuais) e solos rasos (que dificultam a retenção hídrica), características que tornam a água um recurso valioso para as pessoas que ali vivem. No entanto, a falta de estrutura, como tratamento de esgoto, faz com que as poucas bacias da região sejam facilmente contaminadas por resíduos domésticos. Na época da seca, o problema se agrava, pois a estiagem favorece o acúmulo desses resíduos nos corpos d’água. E as comunidades, com poucas opções, vêem-se obrigadas a usar a água que conseguem coletar nesses locais ou a recorrer aos caros carros-pipas.
Diante dessa realidade, pesquisadores da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba, uniram-se em um projeto para minimizar o problema. O resultado foi a criação da residência rural com gestão hídrica ou ecorresidência. “Buscamos promover o uso inteligente da água”, conta o agrônomo José Geraldo Baracuhy, coordenador do projeto.
Segundo ele, todo o ciclo da água foi considerado na elaboração da casa. Os tijolos usados na construção, por exemplo, são feitos com uma técnica que elimina a necessidade de queima. Ao olhar desavisado, pode parecer que o fato em nada se relaciona com a conservação da água, mas é um engano. “Os tijolos tradicionais são aquecidos em olarias, que usam madeira para gerar calor. Essa madeira é retirada de florestas que, se estivessem em pé, ajudariam a evitar a erosão das bacias hidrográficas diminuindo o impacto das gotas de chuva no solo exposto, e consequentemente, permitindo um aumento da infiltração da água no mesmo”, esclarece o pesquisador.
A arquitetura também foi pensada para facilitar o uso consciente da água, evitando o desperdício. A casa tem pé-direito alto e janelas que favorecem a circulação de ar, garantindo o conforto térmico da habitação e diminuindo a necessidade de banhos longos. Por sua vez, a água usada nos banhos e nas pias do banheiro e da cozinha passa por um processo simples de purificação e é reutilizada na irrigação de frutíferas. Além disso, a água utilizada na descarga do banheiro é, na verdade, a água da lavanderia reaproveitada. Até os resíduos do banheiro acabam gerando água aproveitável: depois de acondicionados em uma fossa séptica, passam pelo processo natural de degradação microbiana, liberando um líquido mais limpo que também pode ser usado na irrigação de fruteiras sem comprometer a qualidade do alimento. “Essa água é liberada numa vala ao longo de um tubo perfurado e com profundidade abaixo do solo de 40 cm”, explica o pesquisador.
A arquitetura ‘ecológica’ se reflete ainda no telhado da casa, que tem uma inclinação específica para facilitar a coleta da chuva. A água coletada é direcionada para uma cisterna (do lado de fora da casa) com capacidade de armazenamento de 21 m 3 . E a cisterna é construída de maneira tal que conduz a água para a casa sem necessidade de bombeamento (até metade do volume total). “Todas essas medidas barateiam o custo de construção da casa”, ressalta Baracuhy, lembrando que esse é um aspecto importante para que a tecnologia chegue à população mais pobre da região.
Como parte desse esforço para que a ecorresidência se popularize, a equipe – formada por 20 integrantes de diversas áreas do conhecimento da UFCG – irá, em breve, disponibilizar uma cartilha ensinando, passo a passo, como construir a casa.
O projeto da ecorresidência despertou o interesse do Ministério da Integração, que pretende usar o modelo em casas que serão construídas ao longo do rio São Francisco após sua revitalização.
Mariana Ferraz
Ciência Hoje/RJ