Muitos dos superpoderes desse querido super-herói de fato se assemelham às habilidades biológicas das aranhas e são objeto de estudo para produção de novos materiais.

 

Peter Parker era um adolescente muito interessado em ciências, sem muitas habilidades sociais e cuja maior preocupação era conseguir um emprego para ajudar seus tios, com quem morava. Certo dia, enquanto visitava um laboratório que fazia estudos sobre radioatividade, Peter foi picado por uma aranha radioativa. Aos poucos, ele foi percebendo que aquela picada havia lhe conferido habilidades que não tinha antes: força, agilidade e velocidade ampliadas; reflexos e sentidos sobre-humanos; capacidade de escalar paredes; capacidade de gerar diferentes tipos de teias.

Essas habilidades (que podemos chamar de superpoderes) se assemelham muito às que as aranhas de fato possuem. E, por incrível que pareça, alguns poderes do ‘cabeça-de-teia’ fazem muito sentido biológico.

 

Geração e lançamento de teias

A teia de uma aranha é como se fosse uma corda, mas ela é diferente de qualquer corda produzida por um ser humano. Ela não fica guardada inteira dentro do organismo da aranha; ela é uma espécie de gel de proteínas que, quando lançado através do abdômen, entra em contato com o ar e se solidifica, tornando-se finos fios de seda.

As aranhas podem produzir fios de diferentes espessuras. Quando elas precisam de um fio mais resistente, que as segure quando querem descer de algum lugar ou que as ajude a construir a base da teia, elas tecem fios mais espessos. Mas, para desempenhar outras funções, podem também produzir fios mais finos, que, ao serem trançados em formato espiral, por exemplo, deixam a teia mais grudenta, facilitando a captura de presas.

As teias mais resistentes de aranhas são muito fortes, proporcionalmente ao seu tamanho. Nem sequer um fio de aço com a mesma espessura de uma teia de aranha seria tão forte quanto ela. Além disso, elas são mais flexíveis do que Nylon, são extremamente leves e biodegradáveis. Por essas razões, são objeto de estudo constante dos cientistas, que já há alguns anos tentam desenvolver algum material similar a uma teia de aranha em laboratório.

Por isso, faz todo sentido que Peter Parker consiga, por exemplo, usar sua teia para segurar um trem em movimento – ela apenas precisaria ser um pouco mais espessa que a de uma aranha. Alguns cientistas calcularam que uma teia de 21,4 cm de espessura e 1 km de comprimento seria forte o suficiente para frear um Boeing-747, de 180 toneladas, voando a 1.080 Km/h!

 

Escalar paredes

Uma das habilidades que vários animais pequenos possuem é a de escalar paredes. No caso das aranhas, isso é possível graças à presença de pelos nas suas patas chamados de setas, que funcionam como um adesivo (que nunca perde a cola).

A força que as setas fazem depende da quantidade de setas em contato com a superfície, ou seja, da área de contato. Por ser leve, uma formiga usa cerca de 0,1% da sua área corporal para conseguir se prender na parede. Já uma lagartixa, que é mais pesada, precisa encostar na parede cerca de 4% da sua área corporal para que seus pelos a sustentem.

Um grupo de cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, verificou que, para um ser humano de 80 Kg e 1,80 m conseguir se prender numa parede usando setas, a área de contato desses pelos precisaria ser 40% da área total do seu corpo. Ou seja, ele precisaria colar quase toda a parte da frente do seu corpo na parede ou, como no caso das lagartixas, ter pés maiores, em que caibam mais pelos (nesse caso, ele precisaria de pés de pelo menos 1 metro de comprimento).

O ‘sentido-aranha’

O ‘sentido-aranha’ adquirido por Peter Parker funciona quase como um sexto sentido, uma espécie de habilidade premonitória e, por isso, soa como um mero elemento ficcional. No entanto, as aranhas realmente têm um sentido mais aguçado. Na verdade, elas têm um dos sistemas sensoriais mais impressionantes da natureza.

Os pelos sensoriais das aranhas, que estão espalhados por todo o corpo, funcionam como uma forma muito boa de perceber o mundo e captar informações do ambiente. Em muitas espécies, esse tato por meio dos pelos tem papel mais importante que a própria visão, uma vez que muitas aranhas conseguem prender e atacar suas presas na completa escuridão. E por que os pelos humanos não são tão eficientes como órgãos sensoriais como os das aranhas? Primeiro, porque um ser humano tem em média 60 fios de pelo em cada cm² do corpo, enquanto algumas espécies de aranha podem chegar a ter 40 mil pelos por cm²; segundo, porque cada pelo das aranhas possui até 3 nervos para fazer a comunicação entre a sensação percebida e o cérebro, enquanto nós, seres humanos, temos apenas 1 nervo por pelo.

Outro mecanismo sensorial das aranhas são as tricobótrias, que são outros tipos de pelos, extremamente finos, que geralmente se localizam nas patas. Por meio das tricobótrias, as aranhas conseguem perceber até as mais leves vibrações e correntes de ar. A pressão da luz de um laser ou o bater de assas de uma mosca a uma pequena distância já são suficientes para serem detectados por esses pelos, o que os torna um dos sensores biológicos mais precisos da natureza.

Assim, se o homem-aranha realmente desenvolvesse um sistema sensorial similar ao das aranhas, ele teria uma espécie de sexto sentido, que o permitiria perceber variações extremamente sensíveis no ambiente, podendo assim sentir a chegada de um inimigo aéreo ou terrestre antes mesmo que ele se aproxime ou esteja ao seu alcance visual. Um dos problemas é que, para isso, ele precisaria sair para combater o crime completamente pelado, para que seus pelos pudessem captar as informações do ambiente. Para não ser preso por atentado ao pudor – e ter sua identidade revelada (e sua dignidade perdida) – o cabeça-de-teia precisaria construir um uniforme que não atrapalhasse seus pelos a sentirem o ambiente.

Essas são apenas algumas habilidades das aranhas. As suas teias e a capacidade de usar as setas para escalar paredes já são objetos de estudo de cientistas, interessados em produzir materiais para novas tecnologias. Os poderes de aranha são tão fantásticos que transformaram um jovem nerd que sofria bullying na escola em um super-herói muito poderoso (e um dos mais queridos dentre os heróis da ficção). Mas, por favor, não tente isso em casa. (In)felizmente, no mundo real, picadas de aranha nunca transformaram ninguém em um super-humano; pelo contrário, muitos aracnídeos são perigosíssimos e até letais.

Lucas Miranda
Editor do blog Ciência Nerd
Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor),
Universidade Estadual de Campinas

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