A mata atlântica pode não estar resistindo à ação humana, mas ela conseguiu sobreviver, em alguma extensão, à era do gelo. Pelo menos é o que sugere um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro (SP).

Eles analisaram o perfil genético de um grupo de sapos que habita todo o bioma e descobriram que, no Rio Grande do Sul, as linhagens genéticas são mais antigas do que se esperava. Isso indicaria que seu hábitat, a mata atlântica, existia nessa região durante a última era glacial, 12 mil anos atrás. Os resultados contradizem os de outro trabalho, publicado na revista norte-americana Science.

O resultado indica que a mata atlântica existia na região durante a última era glacial, 12 mil anos atrás

A pesquisa começou em 2007 como tema da tese de doutorado da bióloga Maria Tereza Chiarioni Thomé. O objetivo era estudar a evolução do grupo de sapos Rhinella crucifer, nativo e amplamente distribuído na mata atlântica, e também obter informações sobre o bioma por meio dessa história evolutiva.

Os pesquisadores começaram os estudos averiguando a diversidade genética do grupo, composto por cinco espécies aparentadas que, até há pouco tempo, eram consideradas a mesma espécie. “Os resultados mostraram que a linhagem mais antiga estava localizada na região mais ao sul do bioma, ao contrário do que se esperaria segundo a hipótese publicada na Science”, constata Thomé.

Ela conta que, segundo as pesquisas na área, a mata atlântica teria sofrido grande fragmentação por conta das alterações climáticas na era do gelo, tendo sido extinta ao sul do estado de São Paulo durante esse período. Isso teria levado à extinção de populações animais que dependiam de seu hábitat para sobreviver.

Assim, o esperado seria encontrar linhagens genéticas mais recentes nessa região, provenientes de um processo de recolonização a partir de áreas mais ao norte, que permaneceram mais estáveis, como refúgios.

“Esperávamos detectar um alto grau de parentesco dos animais que hoje ocupam o sul com os do norte, mas não foi o que vimos. Isso acabou virando o tema principal desse artigo”, afirma a bióloga.

Mata atlântica gaúcha
A mata atlântica gaúcha pode ter resistido à era do gelo (foto: Maria Tereza Chiarioni Thomé).

Relógio molecular

Os pesquisadores analisaram 65 indivíduos pertencentes ao grupo da Rhinella crucifer. Eles usaram sequências de DNA mitocondrial e do núcleo para criar árvores filogenéticas, que revelam o grau de parentesco entre as espécies. Esses dados permitiram criar um relógio molecular para datar eventos e a idade das linhagens.

“As mutações são eventos raros e que ocorrem com uma frequência razoavelmente conhecida. Por isso, a partir de sua quantidade, podemos estimar a idade de uma linhagem. Quanto mais mutações, mais antiga a espécie é”, explica Thomé.

Além das informações genéticas, os cientistas também utilizaram dados sobre os pontos de ocorrência dos animais para construir modelos matemáticos com base em cenários sobre os climas passados (paleoclimáticos) para saber como essas espécies estariam distribuídas naquela época.

O resultado indicou a presençadas espécies em regiões onde a mata atlântica teria sido destruída

“São dados bem diferentes, mas que podem ajudar muito quando combinados com os dados genéticos”, diz a bióloga.

O resultado surpreendeu os pesquisadores, pois mostrava a presença dessas espécies em regiões onde a mata atlântica teria sido destruída. “Isso contradiz o outro estudo, pois, se os animais estavam lá, então o seu hábitat também estava”, esclarece Thomé.

Ela afirma que há pouca chance de os animais terem migrado para outra área e retornado quando a mata atlântica tivesse se reestruturado, já que eram pequenos e, diferentemente dos grandes mamíferos, têm pouca capacidade de dispersão.

Thomé acredita que a diferença entre os seus resultados, publicados na revista Molecular Phylogenetics and Evolution, e os do artigo da Science seja exatamente isso – uma diferença.

“Isso indica que a mata atlântica é uma região muito mais complexa e que não podemos explicar o surgimento dessa enorme diversidade com uma única teoria. Ela pode ser aplicada a alguns animais, o que já é importante, mas não a todos”, conclui a bióloga, que continuará estudando os sapos Rhinella crucifer e tentando encontrar mais pistas sobre processos de diversificação no bioma.

Fred Furtado
Ciência Hoje/RJ

Texto originalmente publicado na CH 272 (julho/2010)

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