Uma técnica desenvolvida por pesquisadores gaúchos permite prever – com 98% de eficiência – se um paciente com doença carotídea corre o risco de ter um acidente vascular cerebral (AVC), também conhecido como derrame. Desenvolvida em uma colaboração entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a metodologia faz uso de dois testes rotineiros, a ressonância magnética nuclear e a proteína C reativa, e já está sendo aplicada nos hospitais São Lucas, da PUCRS, e Mão de Deus, ambos em Porto Alegre (RS). A intenção é expandir seu uso, liberando os dados na internet. Os resultados do trabalho foram publicados na revista científica norte-americana Journal of Vascular Surgery em dezembro último.

O AVC pode ser causado por falta de sangue no cérebro ou uma hemorragia nessa região. Em ambos os casos, o resultado da conseqüente falta de oxigenação é a morte das células nervosas, o que leva à morte em 30% dos casos e causa seqüelas graves, como problemas motores e neurológicos, em outros 30%.

“Apenas um terço dos pacientes que sofrem derrame consegue uma melhora significativa”, diz o cirurgião cardiovascular Luciano Cabral Albuquerque, que defendeu tese de doutorado nesse tema, em 2006, pelo Programa de Pós-graduação em Cardiologia da UFRGS. A pesquisa foi realizada em colaboração com o Laboratório de Ressonância Nuclear Magnética do Hospital São Lucas.

Nos derrames provocados por falta de sangue, a causa mais comum é a formação de uma placa de gordura na artéria carótida, responsável por irrigar o cérebro com o sangue oxigenado. Até há pouco tempo, acreditava-se que essas placas cresciam lentamente e só provocavam o AVC quando entupiam completamente o vaso sangüíneo. Hoje, já se sabe que há uma microvascularização da placa e que rupturas nesses pequenos vasos liberam coágulos, os quais migram até o cérebro e causam o derrame.

Brilho revelador

A técnica usa ressonância magnética nuclear para realçar as hemorragias (brilho indicado pela seta) na placa de gordura da artéria carótida, identificando lesões capazes de produzir um derrame cerebral (imagem: Luciano Cabral Albuquerque).

“O grau de obstrução da artéria, portanto, não é um bom indicador de risco”, acrescenta Albuquerque. O trabalho liderado pelo cirurgião consistiu na identificação de um ajuste de configuração que possibilitasse a equipamentos comuns de ressonância magnética nuclear identificar as micro-hemorragias dentro das placas da carótida. “Os dispositivos mais avançados conseguem fazê-lo, mas são muito caros e não é todo hospital que pode tê-los”, revela Albuquerque.

Para isso, ele contou com a ajuda não só do laboratório de ressonância, como também do setor de Física Médica da PUCRS. Os pesquisadores realizaram simulações que permitiram apagar a imagem do sangue em movimento e realçar a hemoglobina presente na placa, que aparece na tela na forma de um brilho sobre a área apropriada.

Além disso, Albuquerque obteve sucesso em correlacionar o brilho com a concentração de proteína C reativa, um indicador do grau de inflamação e risco de infarto no organismo. “Pessoas que apresentam o brilho e altos níveis dessa proteína vão sofrer um derrame”, relata o cirurgião. Segundo ele, a técnica não informa precisamente quanto tempo levará para que o AVC ocorra. “Pode ser em algumas horas, dias ou poucas semanas”, completa.

A metodologia foi testada em 70 pacientes com doença da carótida, que já eram candidatos para a cirurgia de retirada da placa. Eles tiveram a concentração de proteína C dosada e foram submetidos à ressonância para confirmar a presença das micro-hemorragias. Esses dados foram comparados com aqueles obtidos analisando a placa extraída durante a cirurgia e confirmaram um resultado positivo em 98% dos casos.

Albuquerque e seus colegas pretendem liberar seus resultados gratuitamente nos portais de veiculação de informação médico-científica da internet e conversar com o Ministério da Saúde para que todas as instituições possam ter acesso à configuração dos aparelhos de ressonância. Eles pretendem também continuar aprimorando a técnica de maneira a permitir que os dispositivos detectem o brilho da hemorragia em placas menores. “Por enquanto, nossa metodologia só funciona em placas que obstruam 50% ou mais da carótida – o que já é um indicador para cirurgia”, conclui o cirurgião. 

Fred Furtado
Ciência Hoje/RJ 

 

Outros conteúdos desta edição

Outros conteúdos nesta categoria

614_256 att-22975
614_256 att-22985
614_256 att-22993
614_256 att-22995
614_256 att-22987
614_256 att-22991
614_256 att-22989
614_256 att-22999
614_256 att-22983
614_256 att-22997
614_256 att-22963
614_256 att-22937
614_256 att-22931
614_256 att-22965
614_256 att-23039