Uma vacina terapêutica (para quem já está infectado) contra o vírus causador da Aids, o HIV, que reduz em até 80% a concentração de vírus nos pacientes soropositivos, é a mais nova contribuição brasileira à luta mundial contra essa doença. Embora ainda esteja na fase inicial de testes, o produto mostrou efeitos positivos em todos os 18 pacientes que foram inoculados.
 
Resultado de uma colaboração entre o Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (Lika), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e a Universidade Paris V, na França, a vacina usa células do próprio paciente para combater a infecção. Agora, haverá um estudo mais amplo, envolvendo 40 voluntários brasileiros e estrangeiros, e mais quatro instituições: o Centro de Pesquisas Ageu Magalhães (CPqAM), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Recife, a Escola Paulista de Medicina (Universidade Federal de São Paulo), a Universidade de São Paulo (USP), a Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Johns Hopkins, em Baltimore (Estados Unidos).
 
A colaboração entre o Lika e o grupo francês começou há três anos, financiada por uma fundação filantrópica internacional. Toda a fase de experimentação em animais foi realizada em Paris, ao passo que a fase em humanos foi conduzida no Brasil. O estudo investiu em uma vacina que fosse autóloga, ou seja, que usasse o próprio organismo do paciente para combater a doença. Embora essa seja a função padrão do sistema imune, este fica debilitado na infecção pelo HIV, já que suas células são o alvo principal do vírus. Segundo o médico Ernesto Torres de Azevedo Marques Júnior, pesquisador do CPqAM, esse era o motivo pelo qual a abordagem era criticada. “As pessoas achavam que seria impossível restaurar as defesas imunológicas, pois elas já estariam comprometidas”, conta.
 
O sucesso dos testes de primeira fase, quando se avaliou a segurança da vacina por meio de uma dose única e de baixa concentração, comprovaram a viabilidade da técnica. Para Marques Júnior, o resultado positivo foi muito importante para o campo de estudos de Aids/HIV. “Além disso, essa técnica pode ser usada para outras doenças”, acrescenta.
 
Defesa reforçada
A técnica utilizada pelos pesquisadores consiste em empregar células dendríticas (dendrócitos) dos próprios pacientes. Os dendrócitos incorporam pedaços de agentes patogênicos para direcionar o sistema imune contra eles. No entanto, suas funções ficam debilitadas na infecção pelo HIV e eles não conseguem cumprir o seu papel imunológico, o que contribui para o quadro geral de imunodeficiência do indivíduo soropositivo.
 
Para contornar o problema, os pesquisadores inicialmente colhem células precursoras de dendrócitos dos pacientes e as amadurecem (transformam em dendríticas) no laboratório. Elas são então expostas ao vírus inativado, colhido do mesmo indivíduo. Na etapa final, os dendrócitos são reintroduzidos no paciente, onde irão ensinar o sistema imune a reconhecer o HIV.
 
Até agora a vacina só foi testada em soropositivos que não começaram a receber terapia anti-retroviral. Esse será o caso na próxima fase do estudo, que deve começar em outubro e levar aproximadamente dois anos. No entanto, Marques Junior revela que há planos para conduzir estudos paralelos durante essa etapa com grupos especiais, como recém-infectados (até um ano de infecção); usuários de drogas anti-retrovirais; e pacientes em falência terapêutica, ou seja, nos quais os remédios já não estão mais funcionando. “Nos dois últimos casos, talvez não tenhamos resultados tão bons, já que esses indivíduos estão com sua imunidade mais debilitada”, observa o médico.
 
Quando perguntado sobre o tempo que levará para que a vacina seja disponibilizada, Marques Júnior é cauteloso. “É preciso calcular os custos e os benefícios. Para pacientes de alto risco, cuja única opção restante é a vacina, a liberação pode ocorrer mais cedo. Já em outros casos, ela pode demorar mais”, explica. Segundo ele, o processo deve levar ainda de cinco a 10 anos.
 

Os pesquisadores pretendem continuar aperfeiçoando a vacina e baixando o seu custo, já que este ainda é muito elevado. Um dos objetivos é mapear quais regiões do HIV estão sendo usadas pelos dendrócitos para ativar o sistema imune e saber se são sempre as mesmas. Mas tudo isso vai depender da pesquisa conseguir mais financiamento. No momento, o grupo conta só com o apoio da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e o futuro depende da aprovação de outros projetos.

Fred Furtado

Ciência Hoje/RJ
 

 

 

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