Vivemos em uma época em que, aparentemente, nunca se falou tanto em ciência. Basta pensar nas vacinas contra a covid-19: continuamente, podemos ler muitos artigos ou assistir a vários vídeos sobre como funcionam e foram desenvolvidas.
No entanto, ainda falta uma coisa nessa divulgação toda, em uma época em que, por sua vez, muitos atacam e negam a ciência. Como já foi dito, fazer ciência é como trocar o pneu com o carro andando: Afinal, o que é o conhecimento científico? Como a ciência se desenvolve? Onde estão os e as cientistas? Que caminhos elas e eles percorrem? Como surgem ou definham temas ou mesmo disciplinas científicas? Qual é o rumo da ciência?
A ciência é, sem dúvida, um tema muito mais complexo do que é divulgado. E, para desvendá-lo, precisamos da história, filosofia, sociologia e antropologia cujo objeto de estudo é a própria ciência ou sua prática. Mas há espaço para mais uma pergunta: É possível encontrar respostas para algumas dessas perguntas do parágrafo anterior ‘medindo’ a ciência? E seria mesmo possível medir a ciência?
A resposta é sim para essas duas questões. Existe uma ciência que busca exatamente fazer medidas da própria ciência – para alguns, ciências, no plural – e, assim, auxiliar disciplinas da área de humanidades a responder a perguntas lançadas até aqui, com base em dados e análises quantitativas. Mais: criar perguntas próprias e apresentá-las como dúvidas importantes a serem respondias pela própria ciência.
Essa disciplina – relativamente nova, se comparada aos séculos de desenvolvimento da própria ciência – é a cientometria, cuja história e atividades são descritas a seguir. Comecemos então com uma questão fundamental: quais as quantidades que podem ser medidas?
Uma das quantidades fundamentais na cientometria é o número de artigos científicos publicados por um cientista, uma universidade ou um país inteiro nessa ou naquela ciência, da química e matemática à linguística e psicologia. Enfim, em todas as áreas e subáreas científicas.
Para entender por que se mede a quantidade de artigos, precisamos voltar às origens da própria ciência moderna, a partir do final do século 15. Ao pensarmos na ciência naquela época, lembramos, por exemplo, do astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) e o físico Galileu Galilei (1564-1642), que não escreviam artigos científicos, mas, sim, livros.
Naquela época, já tínhamos a astronomia e matemática, mas ainda não a física, biologia ou química. Naquela época, cientistas eram chamados filósofos naturais. Os outros filósofos deram origem ao que, mais tarde, passou a ser chamado ciências humanas e sociais.
Os filósofos naturais, que começaram a estudar uma vasta gama de fenômenos, passaram a se organizar em sociedades, as quais, por sua vez, criaram os primeiros periódicos (revistas) científicos, onde os interessados publicavam cartas com relatos de observações ou descobertas.
Os periódicos pioneiros foram o Journal des Savants, na França, e a Philosophical Transactions of Royal Society, no Reino Unido, ambos lançados em 1665. Hoje, é possível acessar muitos desses periódicos, e quem já leu um artigo científico recente percebe que aqueles, de séculos atrás, eram muito diferentes dos atuais.
Os artigos científicos foram se modificando com o tempo, e o número de periódicos aumentando, como podemos ver em um famoso gráfico de 1961 (figura 1), de Derek de Solla Price (1922-1983), físico, historiador da ciência e cientista da informação britânico.
Vejamos esse gráfico, que dá uma boa ideia de como a ciência se desenvolveu nestes quase quatro séculos. Dos dois periódicos científicos em 1665, pula-se para quase 100 mil em meados do século passado – hoje, seriam mais de um milhão, segundo a projeção de Price.
Esse gráfico é um bom exemplo de pesquisa em cientometria: uma medida do crescimento da atividade científica ao longo dos séculos – vale lembrar que Price é considerado um dos pais da cientometria. Mas voltemos aos artigos publicados nesses periódicos.
Com tantos periódicos e um número maior ainda de artigos publicados neles, já no século 19, homens e as então poucas mulheres da ciência passaram a se perguntar sobre o que poderia ser considerado ciência, em meio a um monte de relatos e artigos também em revistas gerais.
Em resumo: O que deveria ser considerado uma contribuição legítima ao acervo do conhecimento científico, agora que a palavra ‘cientista’ havia passado a ser usada para designar aqueles que faziam ciência profissionalmente nas universidades e nos institutos de pesquisa?
Um esforço importante nesse sentido foi a construção do Catálogo de Artigos Científicos (1800-1863), da Royal Society de Londres. De início, seus autores perceberam ser impossível catalogar tudo, e, com isso, surgiram os critérios, mais ou menos arbitrários, que determinariam quais, entre todos, periódicos científicos seriam incluídos. E, assim, moldou-se uma definição do que era considerado produção científica e, consequentemente, do que era uma ciência que poderia ser medida.
Com variações, esses princípios são usados até hoje nas plataformas bibliográficas de publicações científicas, como os dados que apareciam no catálogo do século 19 (figura 2): nome e endereço do autor, título do artigo e onde foi publicado.
Os catálogos – inicialmente, pensados para serem bases de dados para pesquisas bibliográficas – levaram, aos poucos, a novas perguntas: Quem entre os catalogados publicava mais artigos? Quais os periódicos mais usados? O que os artigos científicos tinham em comum em relação à linguagem?
As primeiras respostas a essas perguntas são, hoje, frequentemente referenciadas como leis da cientometria. A lei de Lotka (1926) – homenagem ao matemático e estatístico norte-americano Alfred Lotka (1880-1949) – mostra que existem poucos autores que publicam muitos artigos e muitos autores que publicam poucos ou apenas um artigo em um dado período. Parece evidente, mas é chamada ‘lei’, porque essa relação obedece a uma equação matemática.
Na mesma época, surgiu a lei de Bradford (1934), referência a seu formulador, o matemático e bibliotecário britânico Samuel Bradford (1878-1948). Ela evidencia o fato de que um conjunto relativamente pequeno de periódicos são os mais pesquisados, enquanto um número grande de periódicos – apesar do alto número de artigos publicados neles – despertam menor interesse em geral.
Anos depois, veio ainda a lei de Zipf (1949), que identifica a frequência do uso de palavras nos textos. George Zipf (1902-1950) foi um linguista norte-americano que popularizou a lei que leva hoje seu nome – embora, ele não a tenha descoberto.
É possível perceber que essas leis são úteis para organizar bibliotecas: quais os autores mais frequentes; quais as assinaturas de periódicos que devem ser priorizadas; e quais palavras-chave usar para organizar e localizar obras no acervo.
Assim, antes da cientometria, surgiu a bibliometria, preocupada com gestão de bibliotecas e bases de dados. A cientometria vai além: preocupa-se com a dinâmica da ciência como atividade social. Mas, antes de dar exemplo disso, é preciso dar um passo adiante, justamente na direção da bibliometria e suas bases de dados.
Até agora, falamos de uma das quantidades fundamentais da cientometria: o número de artigos científicos e o número de periódicos científicos. Uma segunda quantidade, que ganhou muita relevância, dentro e fora da ciência, é o número de citações que determinado artigo recebe de outros artigos posteriores.
Essa é uma medida de impacto de um trabalho científico: se ele é relevante, outros cientistas vão tê-lo como referência; caso contrário, ficará tomando pó nas estantes das bibliotecas – ou sem acessos nas bibliotecas digitais.
Os conceitos em torno de citações como base para a medida de mérito científico foram desenvolvidos inicialmente pelo sociólogo norte-americano da ciência Robert Merton (1910-2003) em seu livro Teoria social e estrutura social, de 1949.
O vertiginoso crescimento da produção científica na década de 1950, acompanhado da nascente necessidade de avaliação dos investimentos em ciência, formam terreno fértil para o surgimento do Science Citation Index (índice de citações científicas), lançado, em 1964, pelo Institute of Scientific Information – hoje, conhecido no mundo acadêmico como Web of Science. Seu criador, o linguista norte-americano Eugene Garfield (1925-2017), é também considerado um dos pais da cientometria.
O índice de citações é um marco importante. Com base nesse novo catálogo e em suas ferramentas de cruzamento de dados entre os milhares de páginas de suas edições anuais, novas medidas passaram a ser possíveis, e o número de interessados nessa atividade de pesquisa foi aumentando.
Como consequência, foram construídos os poucos novos objetos de pesquisa – por exemplo, os estudos sobre a genealogia e sobre os desdobramentos de atividades de pesquisa –, com base em mapeamentos das colaborações entre o(a)s autore(a)s de artigos indexados no catálogo e das diferenças desses aspectos em diferentes áreas do conhecimento.
O nome cientometria foi criado ainda na década de 1960, pelo filósofo russo Vasily Nalimov (1910-1997), outro pioneiro da área. Em seguida, foram lançados os periódicos científicos especializados, como a Scientometrics, em 1978, e se deu o surgimento de congressos, como o International Conference on Scientometrics and Informetrics (Conferência Internacional sobre Cientometria e Infométrica), em 1987, bem como de uma associação que, hoje, entre outras atividades, organiza o congresso mencionado, a International Society for Scientometrics and Informetrics (Sociedade Internacional para a Cientometria e Infométrica).
Por fim, consolidaram-se departamentos em universidades ou institutos inteiramente dedicados à cientometria, como o Centro para Estudos de Ciência e Tecnologia, da Universidade de Leiden (Holanda). No Brasil, existe o já tradicional Encontro Brasileiro de Bibliometria e Cientometria.
O nome do congresso internacional traz um novo termo: infometria. Em comum com as diferentes origens e definições, existe a ciência da informação, aplicada aqui à informação científica. Muitas vezes, essas diferentes definições se sobrepõem e podem ser aprofundadas nas sugestões de leitura.
A esta altura, é hora de ilustrar as ideias com um exemplo.
A disseminação do uso de dados bibliométricos (número de artigos e suas citações, principalmente) – chamados também indicadores, ou seja, comparações entre cientistas ou universidades – tornou-se, por isso, popular também entre leigos.
No exercício apresentado aqui, é usado um dos principais ‘hipercatálogos’ internacionais, além da já mencionada Web of Science. Trata-se da base Scopus, mantida pela Elsevier, empresa editorial holandesa especializada em conteúdo científico.
A base Scopus engloba cerca de 16,5 mil periódicos, os quais, considerando a figura 1, seriam apenas parte reduzida da ciência produzida no mundo. Mas essa ‘ponta do iceberg’ pode dar uma boa ideia do todo.
Em 1996, aparecem indexados nesse catálogo cerca de 1,2 milhão de artigos, sendo que os dos EUA correspondem a 28% deles. Já a China apresentava uma cota de 2,8%, e o Brasil, 0,7% do total.
Em 2019, foram indexados cerca de 3,4 milhões de artigos do mundo todo: a cota dos EUA abaixou para 20%, enquanto o Brasil aumentou sua participação para 2,6%. E a China empatou com os EUA: a distribuição geopolítica da ciência se modificou profundamente em 25 anos.
Como a produção científica é distribuída em cada um desses países?
As ferramentas disponíveis permitem construir o panorama da figura 3: comparação da participação das 11 maiores áreas de produção científica (no caso, dos EUA) em relação ao total para cada país.
Os números no gráfico indicam esses porcentuais – em tempo: os números não somam 100%, pois a produção científica total se espalha por um enorme número de outras áreas e subáreas, mas isso não importa neste exercício.
Observa-se que as agendas de pesquisa do Brasil e dos EUA são muito semelhantes no geral, com a liderança em medicina. O quadro é muito diferente na China, que concentra seus esforços predominantemente em engenharia e áreas correlatas.
A grande diferença entre o Brasil e os EUA – aliás, em relação a quase todos os países do mundo – é a importância da pesquisa relacionada a ciências agrícolas.
Esse pequeno exercício sugere como as ferramentas bibliométricas dão indícios sobre a ciência em cada país e como isso se relaciona às caraterísticas econômicas e sociais de uma nação.
A cientometria com seus indicadores é uma parceira importante para o desenvolvimento de uma sociedade, podendo dar respostas a perguntas formuladas em outras áreas do conhecimento e trazer novas questões para essas mesmas áreas.
No entanto, é preciso ter cuidado no uso desses indicadores. Nesse sentido, uma cautela importante é sempre considerar dados bibliométricos para além da ‘ponta do iceberg’.
Peter Schulz
Faculdade de Ciências Aplicadas
Universidade Estadual de Campinas
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