Colher o fruto sem plantar a árvore

“Nela, até agora não pudemos saber que haja ouro nem prata, nem nenhuma coisa de metal, nem de ferro; nem as vimos. Mas, a terra em si é muito boa de ares, tão frios e temperados, como os de lá. Águas são muitas e infindas. De tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem.” Com essas palavras, a 1º de maio de 1500, o escrivão Pero Vaz de Caminha (1450-1500) comunica ao rei de Portugal, Dom Manoel I (1469-1521), a descoberta da costa brasileira.

O ciclo do ouro em Minas Gerais e a expansão da fronteira agrícola na Amazônia foram marcados por degradação ambiental e desigualdade social

Uma descoberta que poderia atender aos anseios portugueses de “colher o fruto sem plantar a árvore”, expressão utilizada pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) para descrever o ideal de obter riquezas extraindo-as das novas terras descobertas nas grandes navegações, sem grandes investimentos nas colônias e sem preocupação com as consequências dessa exploração.

Dois momentos da história brasileira – o ciclo do ouro em Minas Gerais, no século 18, e a expansão da fronteira agrícola na Amazônia, na década de 1970 – podem ser enquadrados nessa mesma linha de pensamento. Esses períodos apresentam características em comum, como degradação ambiental e desigualdade social, e servem de exemplo para que a proposta de alteração do Código Florestal, atualmente em discussão no Congresso Nacional, seja reavaliada para evitar um grande perigo socioambiental.

Mineração e degradação

Ao escrever sua carta, Caminha não podia saber que menos de dois séculos depois o ouro seria descoberto em uma região distante do litoral, que seria chamada “das Minas Gerais”, nos locais onde hoje estão situadas as cidades de Ouro Preto (antiga Vila Rica), Mariana e Sabará. Todas se desenvolveram em função do ouro e tornaram-se oficialmente vilas em 1711. Essa descoberta desencadeou a primeira grande corrente migratória de Portugal para o Brasil, além de estimular migrações internas para as regiões auríferas.

Mineração de ouro pintada por Rugendas
Detalhe da tela ‘Mineração de ouro por lavagem perto do morro do Itacolomi’, pintada por Johann Moritz Rugendas entre 1820 e 1825.

A chegada de migrantes e a riqueza em circulação induziram em Vila Rica (Ouro Preto) e Mariana um rápido processo de urbanização. Escolhida em 1720 como capital da recém-criada capitania de Minas Gerais, Vila Rica tornou-se rapidamente a cidade mais populosa da América Latina, com cerca de 80 mil habitantes em 1750. Boa parte dessa população era formada por escravos. Na mesma época, Nova York tinha menos da metade dessa população e a vila de São Paulo não tinha mais que 8 mil habitantes.

Só no século 18 foram enviadas a Portugal, oficialmente, 800 toneladas de ouro, sem contar a quantidade extraída de forma ilegal

Essa região foi a principal área de extração de ouro no Brasil no século 18. Só nesse século foram enviadas a Portugal, oficialmente, 800 toneladas de ouro, sem contar a quantidade extraída de forma ilegal, fora do controle da corte portuguesa, e o que ficou na colônia enfeitando suntuosas igrejas, como a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto, em cuja decoração foram utilizados 800 kg de ouro e prata.

Diversos relatos de viajantes que passaram pela região das minas incluem descrições da degradação ambiental, como assoreamento dos rios, ausência de mata ciliar, águas barrentas, áreas desmatadas e queimadas. O barão von Eschwege – o mineralogista alemão Wilhelm L. von Eschwege (1777-1855) – viveu em Ouro Preto no início do século 19 e observou: “Revolvendo-se frequentemente as cabeceiras dos rios, estas se carregam cada vez mais de lama, a qual se foi depositando sobre a camada rica [em ouro], alcançando de ano para ano maior espessura, tal como 20, 30 e até 50 palmos. Por esse motivo, as dificuldades tornaram-se tão grandes que não se pode mais atingir o cascalho virgem”.

Com a exploração predatória, e com o progressivo esgotamento das reservas, a produção do ouro teve forte redução ao longo do século 19, levando a uma estagnação das cidades da região dos garimpos mineiros, que antes cresciam rapidamente.

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Valdir Lamim Guedes
Universidade Nacional de Timor-Leste

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