Estranho e contraditório, o título acima é um enunciado – algo jocoso – conhecido como teorema de Treiman. Físico teórico, da Universidade de Princeton (EUA), especializado em partículas elementares, Sam Bard Treiman (1925-1999) foi aluno do italiano Enrico Fermi (1901-1954), Nobel de 1938.
O ‘teorema’ vem à mente com o episódio da medida da velocidade dos neutrinos, relatada pelo experimento Opera, que reúne cerca de 200 cientistas, de 13 países. O grupo teria obtido, pela primeira vez, evidência experimental de neutrinos viajando com velocidade superior à da luz no vácuo (300 mil km/s). Depois de percorrer 732 km, essas partículas subatômicas fugidias teriam chegado aos detectores 60 bilionésimos de segundo antes do que seria esperado se viajassem à velocidade da luz.
Esse resultado surpreendente, anunciado após seis meses de verificações, foi, segundo a revista Discovery, a notícia número um em ciência do ano passado, difundida amplamente na mídia e periódicos científicos.
A efervescência entre os físicos, naturalmente, foi especialmente notável. Afinal, um dos fundamentos da respeitada teoria da relatividade restrita, do físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955), é que nada pode viajar com velocidade maior do que a da luz. Resultados anteriores, obtidos em aceleradores e pela observação de explosões estelares, indicavam que essas partículas se deslocam à velocidade da luz.
Periódico de prestígio, a Physical Review Letters teve, em dois meses, 50 artigos submetidos para publicação que justificavam ou contestavam o resultado inesperado – apenas três foram aceitos, segundo relatou um editor da revista.
A novela da violação da relatividade ainda não chegou ao final, mas, segundo porta-vozes do Opera, dois problemas técnicos (um oscilador ligado ao GPS e um cabo de fibra óptica frouxo) poderiam ser a fonte do erro – em tempo: promete-se verificação mais completa para os próximos meses.
Mas é interessante refletir sobre a relação dessa história com o teorema de Treiman, instigante porque nos induz a pensar em duas direções divergentes: uma coisa é considerarmos que teorias bem estabelecidas sempre fazem previsões que são confirmadas pelos pesquisadores; outra é que tal confirmação nem sempre ocorre.
Analisemos as entrelinhas. O ‘teorema’ não afirma que coisas impossíveis jamais acontecem, como exigiria a lógica interna do enunciado; e sim que coisas ‘impossíveis’ (no sentido explicado acima), em geral, não ocorrem. Da parte inicial do enunciado, depreendemos que teorias bem estabelecidas que, há anos, vêm sendo empregadas para descrever determinada classe de fenômenos físicos, sem divergência sistemática entre suas previsões e os dados experimentais (ou observacionais), são bastante robustas.
Portanto, quando encontramos um resultado conflitante com essas teorias, temos que repetir e repetir as medidas, antes de afirmarmos que a teoria não é válida. Assim, a primeira atitude tem que ser de ceticismo – sem necessariamente fazer apostas esdrúxulas, como a do físico Jim Al-Khalili, da Universidade de Surrey (Reino Unido), que prometeu, por meio do Twitter, comer a cueca, diante das câmaras de TV, se o resultado estivesse correto!
Vale repetir: o teorema de Treiman não afirma que nunca podem ocorrer coisas ‘impossíveis’. Seu enunciado aceita o questionamento das teorias científicas. E, felizmente, tem sido assim. Cada vez que um desses resultados ‘impossíveis’ é confirmado – ou seja, validado pela comunidade científica –, uma teoria precisa ser reformulada ou uma nova criada. E a ciência dá mais um passo à frente.
Alberto Passos Guimarães
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
Texto originalmente publicado na CH 292 (maio de 2012).