E se Dionísio soubesse química?

Os habitantes do antigo Egito ficavam maravilhados com o sabor e os efeitos de um suco de frutas deixado ao ar. A alegria e o prazer que sentiam – e que não entendiam – só poderia ser uma dádiva dos deuses para amenizar as agruras da vida na Terra.

Osíris, para os egípcios; Dionísio, para os gregos; Baco, para os romanos. Esses eram os deuses do vinho, das festas, do lazer e do prazer. Isso ocorria 5 mil anos a.C. e foi somente em 1860 que um microbiologista francês, Louis Pasteur (1822-1895), demonstrou que não eram os deuses, mas sim as células de um fungo denominado popularmente levedura que operavam esse milagre.

O experimento dele foi muito simples. Ferveu um suco de uva que estava em franca fermentação e observou que a borbulha cessava devido à morte das células. Nascia, assim, a bioquímica, ou seja, a química da vida e, com ela, as noções de que as reações químicas poderiam ocorrer em condições compatíveis com a vida, isto é, na temperatura, no grau de acidez (pH) e na pressão das células vivas.

Química da célula

As técnicas usadas em laboratório para que uma reação ocorra (por exemplo, aquecimento ou adição de ácido) não se aplicavam às reações químicas da vida. Como, então, funcionava a química da célula?

Os químicos alemães e irmãos, Hans Ernst (1851-1902) e Eduard Buchner (1860-1917), demonstraram a presença de enzimas – que agem como um ‘acelerador’ das reações, ou seja, como um catalisador, no vocabulário da química – ao observar que uma pasta feita de células de levedura trituradas – portanto, após destruição da estrutura celular – continuava fermentando e produzindo gás carbônico (CO2), quando conservada em sacarose (tipo de açúcar).

Em meados do século passado, a bioquímica eclodia. O que freou seu desenvolvimento foram dificuldades técnicas de laboratório

Em meados do século passado, a bioquímica eclodia em todo seu esplendor. O que freou seu desenvolvimento – quando a comparamos com outras ciências, como a geografia ou matemática, muito mais antigas – foram dificuldades técnicas de laboratório. Trata-se de uma ciência eminentemente experimental. Nada pode ser inferido, e as quantidades dos componentes, nas células, são diminutas. Por isso, somente em 1940, foi demonstrada a glicólise, a sequência de reações que ocorre em animais, plantas e microrganismos.

Nos seres vivos, a molécula de glicose, com seis átomos de carbono, é degradada em uma sequência de 10 reações catalisadas por enzimas, formando duas moléculas de ácido pirúvico, constituído, por sua vez, por três átomos de carbono. A energia liberada pela ‘queima’ da glicose é conservada, pela célula, sob a forma de uma molécula, denominada ATP (adenosina trifosfato).

No caso da fermentação alcoólica, as reações ocorrem em ausência de oxigênio, e parte da molécula do ácido pirúvico (mais especificamente, o piruvato), na presença de outras substâncias (a adenosina bifosfato), é convertida em álcool (etanol), gás carbônico e água, além de ATP.

Poesia da produção

A história da produção de vinho acompanha o desenvolvimento das civilizações. Acredita-se que o vinho era produzido na Mesopotâmia cerca de 6000 a.C. – Cleópatra, por exemplo, gostava muito de vinho feito de tâmaras.

A colonização pelos romanos espalhou a fabricação pelo Mediterrâneo, fazendo com que fosse consumido em toda a Europa, já em 1000 a.C. Chegou até a América do Sul em 1600, sendo Argentina e Chile os maiores produtores.

As primeiras vinhas foram trazidas, para o Brasil, pelos imigrantes italianos que vieram trabalhar nas lavouras de café. O vinho representou para eles o elo com as tradições e a força para continuar lutando.

A fabricação do vinho é a química mais poética que se conhece. Os vinhedos devem receber o sol pela manhã e uma leve brisa à tarde, para que as uvas amadureçam secas, evitando a proliferação de fungos.

Tacuina sanitatis
Pintura de artista desconhecido do século 14 em que menino pressiona as uvas após a colheita para a produção de vinho.

A colheita deve ocorrer nas primeiras horas da manhã quando ainda cobertas de orvalho. O momento correto é quando toda a sacarose (outro tipo de açúcar) estiver transformada em glicose e frutose. Nesse ponto, o grau de acidez da uva diminui.

Só no caso de vinhos doces, como o Sauternes, as uvas são deixadas no pé, até que murchem por conta do fungo Botrytis cinerea

A poesia continua: as uvas devem ser esmagadas – antigamente, eram pisadas – e,a seguir, fermentadas em adegas ventiladas, com o vento soprando para fora, levando consigo as contaminações do ar.

No passado, a fermentação ocorria por conta das leveduras da casca, e só a partir do século 19 passou-se a selecionar as melhores cepas de cada região. O solo, o clima e a quantidade de chuva influenciam a qualidade da uva.

 

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Anita D. Panek

Departamento de Bioquímica
Instituto de Química
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Texto originalmente publicado na CH 279 (março de 2011).

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