O primeiro músculo artificial brasileiro com aplicação médica acaba de ser criado por pesquisadores do Laboratório de Bioengenharia do Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG (Demec/UFMG). Trata-se de aperfeiçoamento do chamado músculo de McKibben (o primeiro do gênero no mundo) que deverá ser utilizado por portadores de lesões motoras causadas por problemas neurológicos.

O objetivo da equipe é fazer com que o movimento do músculo artificial imite tanto quanto possível o funcionamento de um músculo humano normal. Isso garantiria ao seu usuário não só melhor locomoção, como também menor desgaste das articulações, geralmente muito exigidas daqueles que têm problemas motores. A longo prazo e em casos mais graves, esse desgaste pode levar à imobilidade. Mas só poderão se beneficiar do músculo artificial os indivíduos cuja estrutura músculo-esquelética esteja preservada, já que ele não substitui o músculo natural (apenas compensa suas limitações). Os estudos, que tiveram início há cerca de dois anos, receberam apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Estrutura básica do exoesqueleto, que permite movimentos por meio do músculo artificial

O dispositivo compõe-se de um tubo de borracha revestido por uma malha bem fina e se liga a um cilindro de ar comprimido por meio de uma mangueira ‐ os testes com o protótipo foram feitos com o auxílio de um compressor. Uma injeção de ar controlada por um disparador manual ligado a válvulas de controle de fluxo faz com que o diâmetro do músculo aumente e o seu comprimento diminua, produzindo um movimento de contração-distensão similar ao fisiológico. O músculo artificial é fixado em um suporte plástico (órtese) que envolve o segmento do corpo cujo movimento será restaurado. Esse conjunto, denominado exoesqueleto, pode ser colocado e retirado a qualquer momento.

Para compensar o incômodo causado pelo contínuo disparo manual do equipamento, os pesquisadores pretendem desenvolver um disparador submetido a controle remoto e dotado de sensores eletrônicos que possibilitem, a partir do cruzamento de dados relativos à estrutura biomecânica de cada paciente (tipo de marcha, peso, altura etc.), movimentos automáticos e mais refinados.

A etapa seguinte do projeto cuidará de recriar movimentos mais complexos, que exigem o emprego de sensores e a aplicação de mais de um tipo de músculo na mesma órtese. “Já desenvolvemos um músculo que permite a flexão da coxa, um movimento mais simples, que dispensa o uso de sensores. Para as partes do corpo que realizam movimentos mais refinados, como o braço, estamos desenvolvendo a biomecânica da aplicação dos músculos e testando sensores mais adequados”, relata o coordenador do Laboratório de Bioengenharia do Demec/UFMG, Marcos Pinotti.

Os pesquisadores já criaram uma família de músculos que exercem uma força de até 45 kg e têm vida útil de 20 mil ciclos, o equivalente a uma caminhada de 10 km. O material e o dispositivo de funcionamento do músculo são os mesmos para qualquer parte do corpo, variando-se o tamanho, a espessura e a forma de aplicação do músculo na órtese (com ou sem sensores, em separado ou em combinação com outros músculos, em um ou em outro ponto da órtese etc.).

Exoesqueleto conectado ao sistema de fornecimento de ar comprimido (foto cedida por M.Pinotti – Demec/UFMG)

Voluntária
Cada paciente e cada dificuldade motora demandam uma órtese e um músculo específicos. “Para construir o exoesqueleto, é preciso analisar os dados biomecânicos do paciente, como angulação do movimento da articulação, força exercida pelo músculo sobre o movimento, sua altura, o tipo de marcha”, explica o fisioterapeuta Breno Gontijo Nascimento, pós-graduando do Demec/UFMG e responsável pela análise da adequação do músculo ao paciente e por acompanhá-lo na correta utilização da órtese.

De posse dos dados específicos do paciente, o fisioterapeuta auxilia os engenheiros a ‘confeccionar’ o músculo e a aplicá-lo na órtese. “Além de ensinar o paciente a utilizar o músculo, temos que acompanhar seu processo de reabilitação global e melhorar seus padrões de atividade física”, conta Nascimento. O uso do equipamento, vale lembrar, requer indicação médica.

Até o momento, os músculos desenvolvidos pela UFMG têm aplicação específica para o movimento de flexão da coxa, pois sua confecção se baseou nas dificuldades de locomoção de uma voluntária que apresenta problemas motores no músculo reto-femural (responsável pela flexão) em decorrência de seqüelas deixadas por uma poliomielite. Mas o dispositivo se aplica a vários tipos de lesões e de problemas de movimento. Os testes clínicos com o novo músculo serão iniciados pela paciente após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG.

Embora a tecnologia do músculo artificial ainda não esteja plenamente desenvolvida, a intenção dos pesquisadores a longo prazo é construir um protótipo que realize todos os movimentos da mão, considerada a estrutura mais complexa do corpo humano em termos de movimentação muscular.

 

Flávia Cabral
Especial para Ciência Hoje/MG

 

 

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