O mosquito Aedes aegypti , transmissor da dengue. (foto: Genilton Vieira/Fiocruz)

Doenças epidêmicas muitas vezes são introduzidas em novos territórios pela circulação de pessoas, devido ao comércio e aos transportes. Foi pensando nesse fator de espalhamento da doença que o geógrafo Marcos César Ferreira, do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), desenvolveu uma metodologia para visualizar a difusão espacial de doenças. O pesquisador elaborou um sistema de mapas que permite modelar como determinada enfermidade trafega de uma cidade para outra e elegeu a dengue como ponto de partida.
“Escolhi enfocar a dengue porque é uma doença que vem evoluindo rapidamente no Brasil e ainda é pouco estudada do ponto de vista geográfico”, afirma o pesquisador. “A metodologia poderá ser adaptada a outras enfermidades e ajudar na prevenção e no combate à propagação de epidemias.” Segundo o geógrafo, os mapas podem ser usados em conjunto com os métodos convencionais de monitoramento de casos de dengue, feito atualmente a partir de notificações de ocorrências e da medição do índice larval (quantidade de larvas) do mosquito Aedes aegypti , transmissor da doença, no ambiente.
Com base nos dados já existentes, Ferreira resolveu trabalhar com uma das regiões que apresentam maior incidência de dengue no país: São José do Rio Preto e seus municípios vizinhos, no noroeste do estado de São Paulo. A região já atingiu, em anos de maior infestação, uma média de 79 notificações da doença para cada 10 mil habitantes – em alguns municípios, esse número passou de 200 –, enquanto o índice médio no estado costuma ser de 14 notificações. Para iniciar o estudo, um mapeamento primário clássico (traçado dos limites administrativos) de 109 municípios de São Paulo foi feito em computador. Os casos notificados de dengue foram assinalados nos mapas, mostrando os locais de maior concentração da doença em várias épocas.

Modelo de difusão espacial proposto para a epidemia de dengue ocorrida em 2001 na mesorregião de São José do Rio Preto (SP). Clique na imagem para ampliá-la. Crédito: Marco César Ferreira.

A metodologia proposta por Ferreira fornece outra análise dos focos. “Em vez de mapas estáticos, relativos a determinados instantes da epidemia, uma sucessão de mapas digitais mostra a dinâmica da evolução da doença no espaço e no tempo”, explica o geógrafo. “Percebemos então uma contigüidade espaço-temporal na concentração de casos, que indica que as novas ocorrências surgem preferencialmente segundo alinhamentos regionais, sugerindo o tráfego da doença entre os municípios.”

De acordo com Ferreira, o clima pouco variável entre os municípios da região não é a única causa da expansão da epidemia de dengue. Como o próprio homem pode carregar o vírus para outras áreas, a circulação de pessoas torna-se fator importante para a propagação da doença.
“A mobilidade intermunicipal da população é governada pela economia regional, que impulsiona a migração diária de pessoas de acordo com a concentração de serviços e as condições de circulação (como a existência de rodovias) e comunicação entre os núcleos urbanos”, esclarece o pesquisador. “A organização espacial da epidemia tende a seguir a lógica das conexões de transporte, apresentando assim uma distribuição mais contínua e linear, concentrada em cidades posicionadas em corredores regionais, e não apenas em grupos de municípios vizinhos.”
O geógrafo destaca que, quanto mais eficiente a rede de transportes, maior a dimensão dos pontos de convergência de serviços e pessoas, sendo maior, também, a concentração de casos da epidemia nesses locais. Segundo os mapas elaborados por Ferreira, nesses ‘nós’ da rede de circulação estão situadas cidades com mais de 100 mil habitantes e que possuem condições socioespaciais favoráveis à incidência de casos de dengue, principalmente por causa da rápida expansão das periferias e do uso desordenado do solo. “Devido à alta acessibilidade por conexões rodoviárias, a grande movimentação nessas cidades faz com que haja uma pressão por mais espaços e a epidemia adquira força para se expandir para municípios próximos”, comenta Ferreira. E acrescenta: “A dengue não é apenas uma doença urbana. Ela já foi aceita como uma doença social, pois também está relacionada a aglomerados urbanos e à mobilidade regional da população.”

O pesquisador ressalta que, em vez de realizar o combate à doença de forma indiscriminada, este poderia ser direcionado para municípios em posições estratégicas da rede de transportes associadas a roteiros futuros da dengue. “A partir do surgimento dos primeiros casos em determinada cidade, seria possível prever para quais locais e em quanto tempo a epidemia vai evoluir, antecipando assim as providências para combatê-la”, conclui.

Renata Moehlecke
Ciência Hoje/RJ

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