Patrimônio cultural preservado

 

Livro esterelizado com a nova técnica desenvolvida no IEN. (fotos: Fred Bailoni)

Parte do acervo histórico da Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, está sendo recuperada graças a uma nova técnica desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN). Usando radiação ionizante, o método permite combater fungos, insetos, cupins e bactérias sem danificar os documentos.
A metodologia adotada é fruto de um trabalho conjunto realizado pelo físico Luis Eduardo Brandão, o engenheiro Marcus Alexandre Vallim de Alencar, pesquisadores do IEN, e pelas biólogas Manuela da Silva e Marília Nishikawa, do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ambos no Rio de Janeiro.
Depois de identificar os microrganismos mais encontrados em bibliotecas e museus — trabalho realizado pelas biólogas –, Brandão e Alencar estudaram o tipo e as doses de radiação adequados para eliminá-los, sem que ela afetasse a estrutura dos livros e cartas a serem preservados.
Para testá-lo, o novo método foi aplicado inicialmente em livros infectados da biblioteca da Fiocruz e do IEN. Foram levantados parâmetros técnicos, como tempo de exposição e dose efetiva para esterilizar cada uma das espécies de fungos identificadas. Em seguida, foram feitos experimentos para demonstrar que, nessa faixa, a radiação gama não provocaria danos, como a aceleração do envelhecimento natural do material e uma possível descoloração de pigmentos impressos nos documentos irradiados.
Como o resultado foi satisfatório, os pesquisadores entraram em contato com o setor de restauração da Fundação Casa de Rui Barbosa. As três instituições envolvidas desenvolveram então um projeto visando à implantação da radioesterilização de modo a permitir sua aplicação em documentos históricos. Os primeiros irradiados foram uma serie de documentos pessoais do pintor modernista Vicente do Rego Monteiro (1899-1970).
“Essa nova técnica poderá ser aplicada em vários tipos de documentos – peças arqueológicas, películas, desenhos, quadros, roupas etc. –, com a segurança de que não afetará elementos como cor, rigidez e textura das obras, nem acelerar seu processo de envelhecimento”, afirma Brandão.
Os métodos habitualmente adotados usam produtos químicos que nem sempre podem ser aplicados com segurança nesses materiais, porque alteram sua estrutura, como a textura do papel ou as cores de uma pintura. Além de ser caro, o procedimento tradicional pode deixar resíduos químicos tóxicos para quem depois vai manipular as peças tratadas, sem contar que exige um tempo muito maior de tratamento: enquanto o processo químico requer um período de quarentena (de quatro a seis semanas), a radiação esteriliza o objeto em apenas quatro horas, podendo ser manipulado logo após a aplicação, uma vez que não deixa qualquer resíduo.
Radiação gama

Aparelho que emite radiação ionizante montado no IEN.

Para garantir a eficiência do procedimento, os pesquisadores escolheram a radiação gama, ou seja, uma energia pura sem massa, diferente das radiações alfa e beta. As fontes de radiação usadas foram cobalto-60 e césio-137, as mesmas utilizadas em tratamento de radioterapia.

O objeto a ser desinfetado é lacrado e depois inserido no irradiador (um cofre que contém a fonte de radiação). Como não há interferência humana no procedimento, a obra é entregue ainda lacrada ao restaurador, que limpa o material, retirando os resíduos dos fungos mortos e as manchas provocadas por eles.
A técnica é capaz de exterminar pequenas colônias de fungos e até larvas de insetos. “Verificamos que os livros ionizados demoram mais tempo para ser reinfectados, ao contrário dos documentos tratados com produtos químicos, pois a técnica é muito mais eficiente: os livros tratados pela técnica convencional não são totalmente esterilizados e sempre fica algum resíduo de colônias vivas que acabam reinfestando os volumes”, compara Brandão.
O clima tropical do Brasil, quente e úmido, propicia o desenvolvimento de fungos, principalmente em lugares, como bibliotecas e museus, que concentram grandes quantidades de livros, couros, palhas, tecidos, colas, entre outros materiais alvos desses microrganismos. A conservação desses documentos requer uma climatização adequada, o que exige um montante de recursos financeiros que as instituições públicas não costumam ter. “Não adianta combatermos os fungos utilizando nosso método se as obras voltarão para áreas que não recebem cuidados especiais”, alerta Brandão.

Mário Cesar Filho
Ciência Hoje/RJ

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