Alga vermelha Cryptonemia crenulata (foto: Rosiane G. M. Zibetti).

Uma nova arma contra alguns tipos de vírus pode nascer da investigação de substâncias extraídas de algas marinhas. Trabalhos nessa direção vêm sendo conduzidos no Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal do Paraná (UFPR) por uma equipe de pesquisadores liderada pelos bioquímicos Miguel e Maria Eugênia Noseda. No centro das investigações está a extração de carboidratos produzidos por essas algas e o estudo de sua estrutura química e atividade biológica.

Diferentes grupos de algas marinhas (pardas, vermelhas e verdes) produzem distintos tipos de carboidratos, que podem ser moléculas pequenas (oligossacarídeos) ou grandes (polissacarídeos). As algas estudadas pela equipe da UFPR produzem polissacarídeos sulfatados, cuja estrutura química apresenta o grupo sulfato [–OSO 3 ], que os torna substâncias ácidas. São justamente esses compostos que têm ação antiviral contra os agentes causadores da herpes simples (HSV) e da dengue (do gênero Flavivirus ), por exemplo. Os polissacarídeos sulfatados impedem a adsorção celular, isto é, que o vírus se acople à célula, para invadi-la em seguida.

A superfície das células animais contém polissacarídeos sulfatados, e as glicoproteínas dos vírus, ao reconhecê-los, se ligam neles. “Esse é o primeiro contato entre vírus e célula”, explica Miguel Noseda. “Os polissacarídeos sulfatados presentes em algas marinhas têm o poder de se ligar aos vírus, impedindo seu contato com a célula hospedeira e, conseqüentemente, sua replicação”, completa Maria Eugênia. Assim, um fármaco que contenha essa substância agiria de forma a ‘enganar’ o agente infeccioso.

Os medicamentos antivirais usados atualmente – como o AZT, inibidor da enzima transcriptase reversa, responsável pela conversão do RNA viral em DNA – têm considerável efeito tóxico, além de produzir cepas virais resistentes. Portanto, uma nova estratégia para tratar doenças viróticas seria a combinação de agentes antivirais convencionais com polissacarídeos sulfatados de algas.

“A fusão desses compostos teria a vantagem de inibir diferentes etapas da replicação viral (adsorção e atividade da transcriptase reversa) e diminuiria a emergência de cepas virais resistentes”, explicam os bioquímicos. Mas os pesquisadores lembram que ainda serão necessários vários testes até que um novo medicamento contendo polissacarídeos sulfatados de algas chegue ao mercado.

Colaborações
Os trabalhos são realizados com o apoio de pesquisadores de outras instituições. A equipe da UFPR cuida do mapeamento e da análise da estrutura química dos carboidratos das algas. As propriedades biológicas, antivirais, se houver, são analisadas com a colaboração de pesquisadores da Universidade de Buenos Aires, objetivando a identificação nos polissacarídeos sulfatados de potente atividade contra os vírus HSV e Flavivirus . Objetivos mais ousados, como o combate ao HIV, o vírus da Aids, estão sendo viabilizados atualmente por meio de colaborações com equipes de outras universidades do país.

Vale lembrar que a organização não-governamental internacional Population Council, sem fins lucrativos, investiu na produção de um novo antiviral com o mecanismo acima descrito. O medicamento, que também visa atacar o HIV, já tem nome e está na última etapa dos testes clínicos. Conhecido formalmente como PC-515, o gel Carraguard, cujo polissacarídeo é a carragenana, extraído de algas vermelhas da África do Sul, está na fase 3 dos testes, envolvendo cerca de 2 mil pessoas.

O casal Noseda conta que, por enquanto, os polissacarídeos obtidos de algas vermelhas com ação contra o HSV são de uso tópico, em forma de gel, pois moléculas de polissacarídeos são excessivamente grandes para serem absorvidas pelo organismo após administração por via oral, por exemplo. É necessário, portanto, um estudo das propriedades reológicas da substância (a reologia estuda as propriedades e o comportamento mecânico dos corpos deformáveis que não são nem sólidos nem líquidos, como os géis).

Esse trabalho está a cargo da professora Maria Rita Sierakowski, do Departamento de Química da UFPR. Os pesquisadores pretendem tentar novas vias de administração dos medicamentos que resultariam de seus estudos, já que é possível reduzir o tamanho das moléculas sem alterar ou anular suas propriedades.
As pesquisas com algas marinhas devem progredir significativamente no Brasil, pois o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) acaba de lançar um edital convocando pesquisadores a apresentar projetos de desenvolvimento de fármacos a partir do estudo dessas algas. Os recursos financeiros a serem liberados – R$ 1 milhão para cada um de três projetos escolhidos – deverão possibilitar maior integração entre os grupos de pesquisa na área. A equipe da UFPR está na disputa.

André Marques
Especial para Ciência Hoje/PR

 

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