Os falantes nativos de uma língua dominam milhares de palavras. As crianças, é curioso observar, não só aprendem grande número delas, como também são capazes de recuperá-las da memória com enorme rapidez, como o clarão súbito e breve de um relâmpago. Trata-se de uma façanha sem dúvida espantosa se comparada com a dificuldade que quase todos temos para lembrar algumas poucas dezenas de datas ou números de telefone.

As estratégias instintivas utilizadas pelo falante para adquirir um vocabulário amplo e variado são o tema deste artigo: experimentos sugerem que as palavras mais freqüentes são armazenadas em áreas acessíveis do nosso léxico mental e as mais raras se alojam em pontos mais remotos do cérebro.

Todas as pessoas, mesmo as que não têm formação acadêmica, utilizam ou compreendem pelo menos 10 mil palavras. De acordo com estimativas mais ousadas, elas conhecem no mínimo 50 mil – um total muito superior ao recorde do número de vocábulos dominados por chimpanzés treinados em laboratório.

O vocabulário dos mais prodigiosos desses animais não ultrapassa 200 palavras, segundo alguns observadores. Além disso, qualquer criança aprende novas palavras bem mais depressa do que os melhores chimpanzés. Estima-se que uma criança aprenda em média de 10 a 20 palavras por dia a partir dos três anos de idade. Como é, afinal, que ela consegue realizar tal proeza?

Trata-se, nas situações mais banais, de um processo que sequer provoca muita admiração. A criança vê um cachorro, os pais dizem “é um cachorrinho”, e em seguida a criança repete o termo. Visto assim, o ensino consistiria na pura seqüência behaviorista de estímulo (o cachorro que está perto), reação (o bebê diz “cachorrinho”) e reforço (os pais elogiam).

No entanto, essa situação levanta muitas dúvidas. Primeiro, nem sempre os pais ensinam vocabulário. Quando a criança olha para uma parede, por exemplo, eles não costumam dizer “É parede, filho”. Do mesmo modo, quando entra em casa, não é comum a mãe avisar “Estou entrando”. Segundo, há pais que nunca falam com seus filhos. Em todo o mundo existem comunidades cujos adultos não conversam com suas crianças nos primeiros anos de vida.

Membros da tribo africana Kung San, do Deserto Kalahari, em Botswana, por exemplo, estão mais preocupados em ensinar seus bebês a ficarem sentados do que em ensiná-los a falar. Nas ilhas de Papua Nova Guiné, os falantes de Kaluli acham que seus filhos não são capazes de conversar.

Já os Inuit, esquimós do Canadá, raramente fazem perguntas às crianças, que só são consideradas inteligentes se ficarem caladas. (A antropóloga e lingüista canadense Martha Crago, da Universidade McGill, relata como suas crianças, muito tagarelas, devem ter parecido pouco inteligentes aos Inuit.)

Essas comunidades de fato acreditam que não faz sentido comunicar informações a quem ainda não é capaz de compreendê-las. No entanto, as crianças dessas comunidades acabam aprendendo a falar normalmente.

Os problemas das crianças não acabam por aqui. Como demonstrou o matemático norte-americano Willard Van Orman Quine (1908-2000), uma palavra dita em determinada situação pode, teoricamente, ter um número infinito de sentidos. Em um experimento mental, Quine propôs que se imaginasse um pesquisador no meio de uma tribo cuja língua desconhecesse.

Quando um coelho passa correndo pelo campo, o pesquisador o aponta com o dedo ao nativo, e este diz gavagai . O pesquisador não pode ter certeza absoluta de que gavagai quer dizer ’coelho’, pois a palavra pode significar também ’animal’, ’todas as partes do coelho juntas’, ’a brancura do coelho’, ’algo que corre pelo campo’, ’um animal em dia de sol’ etc.

Essa possibilidade de haver tantas interpretações logicamente impecáveis foi denominada por Quine de ’escândalo de indução’. As crianças enfrentam esse mesmo ’escândalo’ quando aprendem novas palavras. Ao ouvir a palavra coelho , um bebê pode considerar uma longa série de sentidos, desde a possibilidade de ser nome próprio (como Mimi), nome de raça (beliê ou angorá), nome da espécie (coelho) etc.

Coelho pode significar também ’animal que os pais costumam comprar’ ou ’o chão debaixo do coelho’. Como é que as crianças se concentram no sentido certo e eliminam as demais interpretações? Como vão aprender a palavra coelho , se os pais não ajudarem dizendo “isto é um coelho”?

Konrad Szczesniak
Faculdade de Língua Inglesa,
Universidade da Silésia (Polônia)

 

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