Todos sabemos que, no âmbito profissional, fazemos bem aquilo que gostamos de fazer. Em ciência não é diferente. Embora o lado profissional da ciência componha um aspecto mais recente dessa área de atuação, é comum ouvir de cientistas – dos verdadeiros – a expressão, também compartilhada por atores, de que não há nada melhor do que praticar algo muito prazeroso e gratificante e, além de tudo, ainda ser pago para tal. Qual seria, porém, a verdadeira motivação para certas pessoas dedicarem seu maior talento à ciência?

Em 5 de julho último, a revista científica Nature publicou o depoimento de um estudante de pós-graduação, Tal Nuriel, que narra ter vivido um desencantamento momentâneo em razão do andamento de seu trabalho, envolvendo a doença de Alzheimer.

Sua disposição mudou, disse Nuriel, quando, com seus pares, teve um encontro com os pacientes. A partir daí, ele teria trabalhado com renovado ânimo e maior inspiração. O estudante recomenda que os cientistas não percam esse elo vital, sob o risco de serem abandonados pela musa de plantão.

Mesmo diante da dúvida quanto ao desfecho exitoso do trabalho de Nuriel, a mudança de comportamento em função do contato com o alvo de sua pesquisa soa pouco convincente. Lembra um pouco os famosos discursos de misses, do tipo “meu livro preferido é O pequeno príncipe e quero contribuir para erradicar a pobreza e as doenças da Terra”.

Na vida real (pelo menos na área biomédica), os examinadores que selecionam os alunos que orientarão em cursos de pós-graduação encaram com certa dose de suspeita candidatos que dizem querer fazer pesquisa científica por se sentirem compelidos a descobrir a cura para esta ou aquela doença. 

Biografias de cientistas que trouxeram contribuições relevantes raramente apontam fatores emocionais como determinantes

Esse argumento também parece não ter sustentação histórica. Biografias de cientistas que trouxeram contribuições relevantes raramente apontam fatores emocionais como determinantes. Além disso, a motivação para a ciência com base na empatia pelos semelhantes dificilmente afetaria, por exemplo, os que se dedicam à paleontologia, à física teórica ou à matemática.

Alguém imagina um Isaac Newton (1642-1727) enclausurado em Woolsthorpe, na casa em que nasceu, durante o surto de peste negra, em 1666-1667, revolucionando a ciência por estar compadecido com a humanidade? E o que dizer do frio e excêntrico Paul Dirac (1902-1984)?

Individualismo, obsessão e organização

É comum ainda afirmar que o cientista nasce pronto e, tão logo surge uma oportunidade, dá seu ‘recado’. A predestinação, no entanto, também pode ser eliminada da lista. Quantos cientistas importantes trilharam caminhos sem qualquer correlação aparente com a ciência, até esbarrarem no objeto de seu fascínio.

Antes de se dedicar à química, Michael Faraday (1791-1867) era encadernador de livros. Já o físico Edwin Hubble (1889-1953) foi boxeador e trabalhou como advogado antes da carreira científica.

É mais razoável buscar, nas mentes dos cientistas, razões mais individualistas. Algo ditado mais por afinidade ao tema de trabalho e por desafio intelectual que pelo altruísmo. Afinidade e, naturalmente, curiosidade – não é à toa que a nova sonda marciana tem esse nome. 

Com frequência, grandes reviravoltas na ciência nascem de perguntas seminais e abrangentes, que parecem alimentar nos pesquisadores a obsessão necessária à resolução das grandes questões

Com frequência, grandes reviravoltas na ciência nascem de perguntas seminais e abrangentes, que parecem alimentar nos pesquisadores a obsessão necessária à resolução das grandes questões. Newton dizia que, para ele, as soluções apareciam porque nunca parava de pensar no mesmo problema.

Outra peculiaridade do ofício não deve ser esquecida: a capacidade de vislumbrar a ordem no caos. Sempre que os objetos de estudo são comparados e arrumados conforme certos critérios, surge uma ordem esclarecedora que é, quase sempre, o prenúncio de uma revolução.

Com Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829), Charles Darwin (1809-1882), Gregor Mendel (1822-1884) e Dimitri Mendeleiev (1834-1907) foi assim.

Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Texto originalmente publicado na CH 296 (setembro de 2012).

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