“Doutor, pode ver o que está acontecendo com a minha plantação?”, perguntou um agricultor do município de São Domingos de Cariri, na Paraíba, ao geógrafo Bartolomeu Israel de Souza durante um trabalho de campo no estado.
Souza, pesquisador da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), acompanhou o senhor até seu pequeno cultivo para poder responder à convocação. “Eu molho, molho, mas não adianta!”, reclamou o agricultor, apontando para uma área de terra seca e sem vida.
Souza, então, se ofereceu para recolher uma amostra do solo e verificar, em análise laboratorial, o problema. A questão, no entanto, já lhe era clara: salinização, um dos principais fatores por trás da desertificação.
Desertificação significa a degradação progressiva de terras em ambientes áridos, semiáridos e subúmidos secos (no Brasil, há apenas os dois últimos). O resultado do processo são áreas com nenhuma ou pouca vegetação, erosão acentuada e, muitas vezes, infertilidade.
Daí a reclamação do agricultor paraibano: em uma região desertificada, irrigar a terra não é suficiente para que se consiga cultivá-la. Ele e outros pequenos produtores são os principais prejudicados, pois perdem parte importante de sua subsistência.
Sem ter de onde tirar sustento para suas famílias, muitos migram para cidades maiores – dentro do Nordeste ou em outras regiões –, dependendo exclusivamente da ajuda financeira do governo e com pouca ou nenhuma perspectiva de recuperação de sua propriedade.
Dedo humano
A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que, ao menos em 100 países, 1 bilhão de pessoas seja ameaçado pelo processo de degradação de terras secas. E 24 milhões delas já sofrem os efeitos do fenômeno – a maior parte na África, continente mais afetado.
No Brasil, moradores de parte do 1,1 milhão de quilômetros quadrados suscetíveis à desertificação já veem todos os dias a imagem do solo seco e rachado sem potencial produtivo. A seriedade do problema levou a ONU a declarar esta a Década para os Desertos e a Luta contra a Desertificação.
Engana-se, no entanto, quem pensa que o cenário da desertificação se parece com desertos como o Saara africano ou o Atacama, no Chile. “Esses são biomas equilibrados, resultado de processos naturais que duraram milhares de anos”, explica Souza. “Terras desertificadas, por outro lado, são resultado principalmente da ação humana, em um espaço de tempo muito mais curto, insuficiente para o ambiente se reequilibrar.”
As atividades humanas que podem deflagrar, causar ou acentuar o processo de desertificação são muitas – vão desde o desmatamento, passando pelo pastejo excessivo até formas de irrigação danosas.
O fenômeno começou a ser percebido no Brasil na década de 1970, quando foram lançados os primeiros estudos sobre o problema – antes apontado como exclusivamente africano.
Quarenta anos depois, poderia se pensar que já há uma vasta base de dados acerca das regiões mais desertificadas ou que têm maior potencial de desertificação no país – além de inúmeros programas governamentais para dar conta do problema.
A realidade, no entanto, não é bem essa. Há, de fato, cada vez mais pesquisas em universidades nordestinas que buscam analisar melhor o processo. Mas, por necessidade, esses estudos são muito locais e usam parâmetros específicos para designar uma região suscetível à desertificação ou analisar aquelas onde o processo já ocorre – os chamados índices de desertificação.
A pesquisa de Souza, por exemplo, é focada na região do Cariri paraibano – e nem por isso deixa de ser um trabalho hercúleo, com coletas de solo, pesquisas de campo e análises em laboratório. O fato, porém, é que é difícil ter um panorama mais abrangente de como a desertificação tem atingido os estados brasileiros nas últimas décadas.
Isabela Fraga
Ciência Hoje/RJ
Texto originalmente publicado na CH 280 (abril de 2011).