Longe da civilização, enfrentando ventos de 120 quilômetros por hora e um frio de -20 ºC, um grupo de pesquisadores brasileiros da Operação Antártica 29 estuda o nível de estresse e a contaminação por mercúrio e poluentes orgânicos em pinguins e skuas, aves marinhas abundantes na região.

A equipe do projeto Pinguins e Skuas está abrigada na Estação Comandante Ferraz, centro de pesquisa que o Brasil mantém na ilha Rei George, na península antártica, desde 1984, com o apoio financeiro do Ministério de Ciência e Tecnologia, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério do Meio Ambiente.

O estudo analisa três espécies de pinguins (pinguim-antártico, pinguim-adélia e pinguim-papua) e duas espécies de skuas (skua-polar-do-sul e skua-subantártica). Essas aves são consideradas excelentes indicadores da contaminação ambiental porque estão no topo da cadeia alimentar.

Pinguins e skuas se alimentam de peixes, que, por sua vez, comem peixes menores, que se alimentam de plâncton, que absorve as substâncias tóxicas presentes na água. Desse modo, tais aves concentram em seus organismos altos índices de poluentes.

“A maioria das substâncias tóxicas que encontramos nas aves têm origem humana”

“A maioria das substâncias tóxicas que encontramos nas aves tem origem humana”, conta a bióloga Larissa Cunha. “O uso de muitos desses contaminantes já foi até proibido, mas mesmo assim continuamos encontrando-os em organismos de uma região tão distante como a Antártida.”

A pesquisadora explica que a maioria dos poluentes é altamente volátil e que, uma vez em estado gasoso, eles são transportados para a Antártida pelas massas de ar. Outra forma de dispersão se dá pelos próprios animais que migram para regiões contaminadas durante o inverno austral e quando voltam para a área de reprodução no sul espalham as substâncias tóxicas no ambiente.

Para medir o nível de contaminação das aves, a equipe de pesquisadores coleta amostras de solo, penas, ovos, sangue, regurgitos e fezes de pinguins e de skuas, além dos peixes que fazem parte da dieta desses animais. Todo o material é enviado para os laboratórios das universidades Federal do Rio de Janeiro e do Estado do Rio de Janeiro, onde são feitos testes genéticos e análises da presença de contaminantes orgânicos e metais pesados.

Captura de pinguim
Pesquisadores do projeto capturam pinguim para coleta de dados. A análise das penas da ave determina o seu índice de contaminação. (foto: Wagner Fischer)

Contaminação e estresse

Até o momento, os pesquisadores têm encontrado nas aves altas concentrações de bifenilas policloradas (PCB), diclorodifenil tricloroetano (DDT) e mercúrio. Quando exposto à ação de micro-organismos do ambiente, o mercúrio se transforma em metil-mercúrio, uma variante que é de 100 a 1.000 vezes mais tóxica do que a forma original do metal.

“Por ser lipossolúvel, ele atravessa a membrana plasmática das células com facilidade e pode agir sobre o sistema nervoso, além de também alterar a formação dos embriões, prejudicando a chance de sobrevivência e afetando o sucesso reprodutivo das espécies”, explica outra bióloga envolvida no projeto, Erli Schneider Costa.

Já o PCB e o DDT são compostos orgânicos tóxicos que eram usados em pesticidas, inseticidas, tintas e fluidos dielétricos de capacitores e transformadores até os anos 1970. Eles podem permanecer em um ambiente durante anos, causando graves prejuízos para o ecossistema.

Pinguim-antártico com filhotes
Pinguim-antártico toma conta dos filhotes. (foto: Erli S. Costa)

O efeito mais conhecido dessas substâncias sobre as aves é a redução da espessura da casca dos ovos, o que os torna mais frágeis. Os pesquisadores do projeto também desconfiam que esses poluentes possam causar um desequilíbrio hormonal nos animais, provocando alterações no comportamento reprodutivo de machos e fêmeas e efeitos imunológicos, que os tornam mais suscetíveis a doenças.

Costa ressalta que o nível de contaminação varia entre as espécies. “A skua-polar-do-sul, que migra para áreas mais distantes, como a Europa, tem níveis de contaminação por mercúrio bem superiores aos que encontramos na skua-antártica.” O próximo passo do estudo será verificar se esses níveis de contaminação se correlacionam com o estresse das aves.

A pesquisadora explica que os pinguins e skuas já são animais naturalmente estressados, por viverem sob baixas temperaturas e se preocuparem com grandes predadores, como a foca leopardo e as orcas.

Por outro lado, ela acredita que a poluição pode aumentar ainda mais o estresse dos animais. “Vamos avaliar os níveis de estresse e compará-los com outras informações que estamos obtendo no ambiente para saber se indivíduos mais estressados são também os mais contaminados.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje/ RJ

Clique aqui para ler o texto que a Ciência Hoje das Crianças publicou sobre o trabalho.

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