Ao acompanhar micos-leões-dourados (Leontopithecus rosalia) em seu ambiente, qualquer pessoa pode ter uma experiência semelhante à vivida por um dos autores (Ruiz-Miranda) enquanto observava seu comportamento.
Ele olhava para cima, em direção à parte inferior da copa das árvores, com uma imagem pré-formada em sua mente. Ao avistá-los, checou a presença de todos os micos do grupo, já observados antes, e começou a registrar o que faziam, comparando as anotações com um inventário de comportamentos (um etograma) previamente elaborado e bem memorizado. Então, não reconheceu as atividades de um dos micos, cujas atitudes lembravam a de uma criança brincando com um ‘amigo imaginário’.
O pesquisador olhou novamente, tentando entender. Até perceber que outro bicho estava lá, com o corpo – de cabeça para baixo e inclinado – quase oculto contra o tronco da árvore. A equipe de campo notou sua surpresa e todos olharam para o local que ele fixava, até que alguém disse: “Mico-estrela”.
Esse é o nome popular do sagui que brincava com um jovem mico-leão-dourado. O pesquisador perguntou: “Eles não são daqui, certo?” E ouviu a resposta: “Eles estão aqui, não estão?”. Esse diálogo praticamente resume o estado atual da situação: o que fazer com esses saguis?
Vítimas do tráfico
A presença abundante de saguis do gênero Callithrix em regiões onde não são nativos é um problema nacional. Esses primatas são introduzidos fora das áreas naturais de ocorrência como resultado do tráfico ilegal de animais selvagens no Brasil.
Filhotes novos e jovens adultos desses primatas são capturados nas matas onde vivem e transportados para grandes cidades, para satisfazer o comércio nacional e internacional.
Os compradores, em zonas rurais ou urbanas, os liberam em suas fazendas ou jardins. Os transportadores também os soltam às margens das estradas, quando são espécimes crescidos e menos dóceis. E a própria polícia, muitas vezes, confisca os animais de seus ‘donos’ e os liberta à beira de florestas.
No estado do Rio de Janeiro, que segundo as pesquisas já realizadas parece ser o mais afetado, o problema é evidente há décadas. Os animais liberados aclimataram-se ao novo ambiente, principalmente em áreas florestadas, e formaram populações que vêm ocupando mais território e disputando alimento com espécies locais.
Para avaliar se a presença desses primatas ‘intrusos’ representava um problema para a conservação dos micos-leões-dourados, o Laboratório de Ciências Ambientais, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), em parceria com a Associação Mico-Leão-Dourado, iniciou em 1998 uma pesquisa com os saguis presentes na área de proteção ambiental (APA) da bacia do rio São João, uma das áreas de endemismo do mico-leão-dourado no interior do Rio de Janeiro.
Diversas questões direcionaram o projeto: Que espécies estão presentes? De onde vieram? A área territorial que ocupam expandiu-se a partir da cidade do Rio de Janeiro? Sua população está estabelecida? Qual o seu estado físico? Eles competem por recursos com os micos-leões-dourados? O que fazer com eles?
O estudo vem sendo desenvolvido por uma equipe de campo do laboratório e da Associação Mico-Leão-Dourado, organização não governamental que tem como objetivos proteger essa espécie e a biodiversidade da mata atlântica.
Carlos R. Ruiz-Miranda
Márcio Marcelo de Morais Júnior
Valéria Romano de Paula
Adriana Daudt Grativol
Laboratório de Ciências Ambientais
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
Denise M. Rambaldi
Associação Mico-Leão-Dourado