Já imaginou a sua vida com superpoderes? Ter força descomunal, voar, capacidade de se curar de ferimentos, ficar invisível, mover objetos de qualquer tamanho… São tantos os poderes que “existem” nas histórias em quadrinhos que seria difícil listá-los neste texto. Alguns têm origem mística ou mitológica, como no caso da Mulher-Maravilha e do Thor, outros são simplesmente herdados de sua família, como Aquaman ou Noturno, dos X-Men. Mas vários heróis adquiriram suas habilidades por meio da ciência ou de acidentes científicos, e vamos relembrar algumas dessas histórias.
Robert Bruce Banner era um físico nuclear responsável por desenvolver a ‘bomba gama’ para o exército norte-americano. Devido a um acidente, o cientista foi exposto à explosão dessa bomba e foi atingido por uma quantidade gigantesca de radiação gama. Surpreendentemente, ele sobreviveu à explosão e, pouco tempo depois, descobriu que a radiação o havia condenado a se transformar, em determinadas situações, numa besta absurdamente forte e descontrolada, o Incrível Hulk.
Os raios gama são um tipo de radiação eletromagnética de alta concentração de energia, até milhões de vezes superior àquela contida num raio ultravioleta. Essa alta energia se deve ao seu pequeno comprimento de onda, que a permite penetrar profundamente na matéria e até mesmo destruir as duas fitas de DNA da célula, em uma região específica do código genético. Essa radiação é amplamente usada radioterapias, na destruição de células cancerígenas. Ao interagir com uma célula tumoral, os raios gama provocam efeitos químicos e biológicos que levam à morte celular, seja pela inativação de alguma função vital da célula, seja pela perda de sua capacidade de reprodução, ou por outros fatores. O problema desse recurso é que ele não afeta apenas as células doentes, mas as saudáveis também.
Além da morte celular, há também a possibilidade de o DNA, frente a uma quebra dupla de suas fitas, conseguir se reparar, reorganizando sua estrutura com novas informações genéticas. E essa mudança nos genes do indivíduo (mutações genéticas) poderia servir de explicação à transformação Banner-Hulk. Ou seja, o Hulk seria um super-humano geneticamente modificado.
É claro que, no mundo real, os acidentes radioativos provocam efeitos bem mais trágicos e incontroláveis. Qualquer pesquisa rápida na internet mostrará vítimas de radiações que tiveram a pele completamente queimada pelo calor emitido pela radiação (isso quando a pele não caiu completamente), mutações genéticas provocando desfigurações no corpo (ao invés de músculos sobre-humanos), crescimento desordenado de células causando todo tipo de câncer, e sequelas genéticas para as próximas gerações. Portanto, é muito improvável que uma pessoa submetida à dose de radiação que Banner recebeu sobreviva ou tenha uma mutação genética positiva.
Além disso, por mais que esse processo de quebra e rearranjo das fitas de DNA seja uma tentativa razoável de se explicar como a radiação gama provocou esse efeito em Banner, o processo não é reversível. Ou seja, uma vez transformado em Hulk, jamais voltaria a ser um ser humano.
Peter Parker, um estudante de ensino médio de Nova York, é mordido por uma aranha radioativa e geneticamente modificada quando visitava um laboratório. Depois de um tempo, o adolescente magricela que adorava ciências se vê dono de reflexos e sentidos sobre-humanos, além da habilidade de escalar paredes e lançar teias. Por suas habilidades de aranhas envolverem todas as partes do seu corpo, podemos concluir que a mordida afetou o genoma de todas as células de Peter. Até os seus pés foram afetados, eles desenvolveram aqueles pequenos pelos, chamados “setas”, que promovem aderência a algumas superfícies.
Apesar das habilidades do homem-aranha serem condizentes com os poderes reais das aranhas, é improvável que uma única aranha radioativa (ou seja, que emita radiações) e transgênica (ou seja, com seus genes alterados) seja capaz de alterar toda a genética de um ser humano com uma única mordida. Até onde sabemos isso jamais aconteceria, porque nosso organismo não possui um controle central que comanda toda e cada parte do corpo. Cada célula possui uma cópia do nosso código genético, e elas recebem esse código assim que são criadas.
Assim, se a mordida de uma aranha pudesse, realmente, afetar os genes de uma pessoa, as mutações genéticas se dariam, provavelmente, apenas na região do ferimento. Diferentemente do Hulk, que recebeu radiação em todas as partes do corpo, o Homem-Aranha do mundo real seria, no máximo, um jovem magricela com alguns pelos nas mãos. E, não, ele não lançaria teia pelas mãos, porque nenhuma aranha faz isso. Aranhas soltam teia pelo abdome. Pergunto-me o que aconteceria se o Peter fosse mordido no traseiro…
Steve Rogers era um rapaz muito interessado em se alistar no exército para combater os nazistas na década de 1940, mas, por ser muito franzino e de saúde frágil, foi convidado a participar como voluntário do chamado Projeto Super-soldado. Nas experiências desse projeto, que tinha como objetivo levar os soldados americanos ao máximo de suas capacidades físicas, Rogers recebeu o soro super-soldado e passou a ter sua força, resistência, agilidade e reflexos largamente ampliados.
Essa talvez seja uma das fontes de superpoder mais condizentes com o mundo real, afinal, o soro tomado pelo Capitão América não difere tanto assim de substâncias como estimulantes, esteroides, hormônio de crescimento (HGH). Essas substâncias são capazes de aumentar consideravelmente a agressividade, a concentração, o estado de alerta, o ganho muscular do indivíduo. Não à toa, são totalmente proibidas em esporte, e o uso delas já foi causa da destruição da carreira de muitos atletas.
O grande problema é que, quanto mais uma pessoa dopa seu organismo com substâncias como essas, mais ela fica sujeita a consequências como falência do fígado, alterações bruscas de humor, hipertensão, entre outras. Ou seja, em vez de Capitão América, você viraria um Capitão Problema.
Depois dessas histórias, ainda lhe resta alguma esperança em ter um superpoder? Muita gente responderia que “sim” por acreditar que o ser humano não tem poderes ou habilidades tão fantásticas quanto as da ficção. Por isso há quem procure meios de aumentar a performance física e mental para se tornarem super-humanos. Mas basta estudar um pouco de ciências para perceber o quão incrível e superpoderoso é o corpo humano.
Lucas Miaranda
Editor do blog Ciência Nerd
Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo
Universidade Estadual de Campinas
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